Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A mulher de vento



Ela chegou pelo correio. Muito bem embalada, com plástico-bolha e tudo. Foi o “seu” Ananias quem recebeu e assinou o protocolo. O síndico ficou curiosíssimo quando o vizinho, ao sair de manhã para o trabalho, fez recomendações. A caixa revestida por papel brilhante ficou ali, na sala, enquanto o administrador, por telefone, deu a notícia: “A gabiroba já está madura”. Foi assim o aviso combinado: por senha. O Alceu sempre gostou de senhas. Cresceu chegado num mistério.

Voltou o mais rápido possível para não dar tempo ao amigo. Temeu que ele não resistisse e violasse os sete lacres do produto. Naquela tarde, ajeitou tudo no escritório para ter mais tempo livre. Há duas semanas aguardava o grande dia. Quando viu o quadrado de luxo sobre o sofá, mal olhou o Ananias. Num suspiro, disse apenas obrigado. Agradeceu ao amigo sem tirar os olhos do volume colorido. Carregou-o como se transportasse cristais. Contou 49 degraus. No andar de cima, depois de cruzar o corredor escuro, em frenesi, ganhou o antigo apartamento da Rua Tupis.

Antes de desembalar a namorada, preparou o ambiente para receber a luz da noite. Queria a perfeição: somou amante, jantar e vinho tinto. Ligou para o restaurante e autorizou o envio da comida. Já havia combinado com o chefe da cozinha. Queria massa fina, damasco e molho branco. Também preparou terninho especial para a ocasião: riscadinho de giz, feito sob medida por alfaiate da Rua Espírito Santo. Tomou banho demorado e cantarolou bolero. Fez a barba, perfumou-se e inaugurou cuecão de seda. Vestiu-se para noitada inesquecível. Desde que a ex-mulher partiu, há cinco anos, Alceu não tinha companhia.

Pelo interfone, anúncio do prato no portão. Generoso, agradou em prata o entregador. Mesa montada ao pé do janelão de aço, cadeiras na contra-luz da lua, garrafa esverdeada no balde de gelo, é chegado o momento. O coração acelerou quando desvestiu a caixa importada. Sob véu difuso em bolha, o último lançamento do sex shop americano. O aviso, em 12 idiomas, recomendava: “Retirar a proteção apenas depois de inflada”. Com as mãos trêmulas, seguiu o manual à risca. Engatou a maquininha elétrica de ar, ligou e esperou.

Em cinco minutos, de pé, com 1,70m de altura, mais meia dúzia de medidas corretas, a mulher de vento estava pronta. Com carinho, em olhos marejados, removeu a cobertura protetora e sorriu como o mais feliz de todos os homens.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

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