Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O chupa-cabra é filho do capeta


O homem, com raríssimas excessões, amigo leitor, é raça muito da ordinária. Há quem diga até que não há jeito que se dê nesse animal pensante. Etelvina, cidadã brasileira, cinquentona, mãe de família, diarista, boa pagadora de taxas, impostos e tudo o mais, está profundamente decepcionada com a espécie bípede que pensa, anda e fala. “Ô, racinha, senhor! Ô peste!” Não é para menos, depois de ficar injuriada com a absolvição de uma tal Roriz pela Câmara dos Deputados em Brasília, flagrada aceitando propina em filme amador que rodou meio mundo, foi a vez de “irmão” vizinho tentar rapar a poupança suada da Etelvina na boca de caixa eletrônico da periferia. “É o Chupa-cabra, minha senhora”, disse o policial, solidário com a decepção da cidadã. Cara a cara com o marginal, velho conhecido do bairro, Etelvina pediu para ficar a sós com o sujeito. “Cinco minutos”, liberou o delegado. A dona, religiosa, tristíssima com a situação, quis ela mesma interrogar o safardana:

– Chupa-cabra? Que coisa feia! Por que, meu filho? Vi você crescer lá na rua, na igreja. Sua mãe é uma pessoa tão boa. Seu pai tinha tanto orgulho de você. Seu nome é tão bonito. Agora essa: Chupa-cabra.

– Conta lá em casa nem na igreja não, dona Etelvina. Pelo amor de Deus!

– Agora todo mundo já sabe, moço. A imprensa tá aí na delegacia. Só falam no Chupa-cabra. Logo você, que me parecia ter tanto juízo. Lá em Brasília, tudo bem, bandidagem não é novidade mesmo… agora, um irmão da minha comunidade. É muito triste.

– A gente não usa arma não. A gente só puxa o barbante, aí vem o envelope. Nunca peguei num revólver. Nunca, dona Etelvina. E quem paga a conta é o banco.

– Mas não tá certo roubar, meu filho. Você sabe disso! Pensa bem!? Roubar? Ficou maluco! A gente tem que trabalhar, dar duro com honestidade, para ficar em paz com Deus e com a nossa consciência. Me dê sua mão, Jorielsvaldomiro.

O policial ganhou a sala e encerrou o assunto: “Acabou o tempo, senhora!” Segurando as mãos algemadas do pilantra, a evangélica esticou o minuto e fez oração a Deus pela alma de todos os homens de calças, gravatas e saias, embrenhados no mundo do crime. Fez o policial dar a mão e orar também para dar mais força ao culto improvisado, a três. Respirou profundamente duas vezes, deu as costas para o “irmão” e, antes de cruzar a porta, voltou-se em frase assombrosa: “Chupa-cabra! Isso é coisa do capeta!”.


Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 5/9/11

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