Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A menina e o pivete


Nágila nasceu mesmo para fazer diferença no mundo da pouca novidade no plano da pessoa. Moça boa estava ali, a pensar na vida, pelas bandas de canteiro de obras no cruzamento das avenidas Cristovão Colombo e Getúlio Vargas. Já era fim de tarde de poeira baixa em sábado de movimento sem graça. A menina tinha acabado de levar fora do namorado ciumento por bobagem besta, dessas comuns aos que beiram os vinte e poucos anos de idade. “Você dá mole demais. Aí os caras caem matando. Não gosto de mulher estrambótica. Me dá o capacete! Fui!”, disse o mané, mordido com o sucesso que a moça fazia por onde quer que passasse. Nem olhou para trás e picou a mula, de motoca, sentido Nossa Senhora do Carmo acima, rumo o Bairro Santa Lúcia. “Estrambótica?”, perguntava-se, triste, enquanto o garoto mimado se ia.

“Estrambótica?”. Sem condução, Nágila desceu Cristovão Colombo a pé, com o pensamento nas grimpas, chateada com o panguá. Afinal, gostava do sujeito de verdade. Não era para menos: primeiro namorado sério, depois de cinco anos de rolo doído, à distância, com americano que conheceu em intercâmbio. “Estrambótica?”, continuava a pensar alto. Enquanto caminhava a esmo, a garota catou o celular amarelo na bolsa para pesquisar dicionário no aparelho. Lá, encontrou o significado da palavrinha que tanto lhe martelava. Na ponta dos dedos matou o enigma: “Extravagante, fora do comum, singular”. Sorriu, já que não era algo tão ruim assim de ser. No fundo, a balconista de loja chique do shopping até sabia que, de fato, de comum não tinha nada.

Já nem pensava no fulano da moto, quando deu de cara com pivetão mal-encarado, com a mão por baixo da camisa furada: “Perdeu, tia! Passa o celular! Rápido! Senão, dou um tiro! Um tiro!”, ameaçou. Nágila não perdeu calma, controle nem simpatia: “Sem nenhum problema! Tome. Olhe, é seu. Pode ficar. Mas, será que você, caso não se importe, é claro, não poderia me dar o meu chip? É que os números dos telefones de todos os meus familiares e amigos estão nesse chip. Será que você poderia fazer isso pra mim? Please, please!”, sorriu sorriso lindo, estrambótico, para o pivetão, que, certamente, não estava acostumado a ser recebido com tanta cordialidade e educação. O “please”, então, com aquele inglês impecável, charmoso, da Nágila bateu no fundo da consciência do moleque, que já se preparava para dar no pé com o aparelho malocado. O pivetão encarou fundo a vítima e mandou papo num diálogo reto:

– Ô tia… Tome o celular. Pode ficar. Você me desculpa, viu!?
– Não. De jeito nenhum. Ele agora é seu. Eu só quero o chip, se você não se importar, tá!?
– Não, tia. É sério, sô. Quero mais ele não. Tô até com vergonha porque você é muito legal.
– Você é que está sendo legal me dando o chip. Aqui, só um minuto… já tô quase conseguindo.
– Não precisa mais não, Tia. É sério!
– Pronto! Você não está me roubando. Estou dando ele pra você. Tome. Vai com Deus!

O moleque chegou em casa no aglomerado da Serra e olhou diferente para os cinco irmãos pequenos e para a mãe barriguda ao fogão. Lembrou a bela e boa Nágila e prometeu com o sussurro da alma estudar e trabalhar para vencer na vida. O celular amarelo guardou como recordação do dia em que aprendeu a ser gente.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 15/8/11

2 comentários:

Caca disse...

Além de aprender ainda fico estupefato diante da beleza de suas crônicas, Jefferson. Meu abraço. Paz e bem.

Lígia Clarine disse...

Amei! O nome é Nágila e ela é estrambótica, eu queria ser ela nesse conto.