Para curtir Vida, da Companhia Brasileira de Teatro, não é preciso ser profundo conhecedor da obra de Paulo Leminski (1944-1989). Basta gostar de boa poesia e de trabalho de ator. O espetáculo de pesquisa sobre o poeta, erguido pela trupe paranaense, que esteve em cartaz na última semana do FIT BH, é combinação de valor das duas coisas. Experimental, ainda que dure além da conta – desgasta-se por entusiasmo –, Vida faz uso de encenação inventiva para incrementar metáforas. Parte de argumento simples para realizar obra tocante. Do ensaio de banda para comemorar o jubileu de cidade qualquer faz-se o mundo moinho de versos. Mapa empenado, trágico, cômico e dramático de quatro personagens, estranhos sem rumo, em ambiente único de contradições: ora pesado, claustrofóbico, ora leve, quase sem gravidade.
Além de boa narrativa, o que há de mais singular em Vida é a dramaturgia de estrutura fragmentada e de surpresas. Texto e carpintaria vão além da escrita e oferecem ao elenco plataforma de liberdade adequada à criação. Intérpretes experimentados, de recursos, não costumam desperdiçar oportunidades assim e, quase sempre, realizam encontro de diferenças. O cenário abre e fecha perspectivas e o figurino é correto e de bom gosto. Pelo todo, Marcio Abreu, responsável pelo texto e pela direção – embora permita sobras –, tem motivos para se orgulhar do feito. Vida tem alcançado destaque na cena nacional por conteúdo. Considerando, naturalmente, a força bruta de quem a defende no palco.
Rodrigo Ferrarini, dono de voz rara e limpa, tem tarefa difícil logo na primeira cena, professoral, com lauda longa de abertura. Competente, habilidoso com o quadro melódico de falas e com o ritmo, faz o que bem entende do desenho das palavras. Já Ranieri González tem início duro com seus textos curtos, carregado, e chega a parecer fraquíssimo. Adiante, cheio de gás, a partir de cena de esforço físico, cresce para não mais perder tamanho. Mostra-se excelente ator e arrasa no canto. Vestido de mulher, é aplaudido em cena aberta por performance impagável ao microfone.
Giovana Soar, que também assina a dramaturgia, tem técnica e coragem para a graça, tanto que lhe cabe. Mesmo histriônica, consegue construir momentos memoráveis – como na que contracena com Ranieri de peruca loira, num balaço inesperado. Nadja Naira não vai além do que o papel permite. Assim como o músico Gustavo Proença, marca posição e ajuda a dar qualidade à peça, que, devidamente aparada, seria ainda mais arrebatadora. Vale lembrar Leminski: “Viver é sucinto”. Em Vida boas ideias trazidas à luz se esgotam espichadas. Com o tanto que teve de bom e essencial nas mãos, Marcio Abreu desperdiça. Pormenor de quem mostra saber fazer bem o bastante.
Estado de Minas - Jeffersonda Fonseca Coutinho - 16/8/10
Além de boa narrativa, o que há de mais singular em Vida é a dramaturgia de estrutura fragmentada e de surpresas. Texto e carpintaria vão além da escrita e oferecem ao elenco plataforma de liberdade adequada à criação. Intérpretes experimentados, de recursos, não costumam desperdiçar oportunidades assim e, quase sempre, realizam encontro de diferenças. O cenário abre e fecha perspectivas e o figurino é correto e de bom gosto. Pelo todo, Marcio Abreu, responsável pelo texto e pela direção – embora permita sobras –, tem motivos para se orgulhar do feito. Vida tem alcançado destaque na cena nacional por conteúdo. Considerando, naturalmente, a força bruta de quem a defende no palco.
Rodrigo Ferrarini, dono de voz rara e limpa, tem tarefa difícil logo na primeira cena, professoral, com lauda longa de abertura. Competente, habilidoso com o quadro melódico de falas e com o ritmo, faz o que bem entende do desenho das palavras. Já Ranieri González tem início duro com seus textos curtos, carregado, e chega a parecer fraquíssimo. Adiante, cheio de gás, a partir de cena de esforço físico, cresce para não mais perder tamanho. Mostra-se excelente ator e arrasa no canto. Vestido de mulher, é aplaudido em cena aberta por performance impagável ao microfone.
Giovana Soar, que também assina a dramaturgia, tem técnica e coragem para a graça, tanto que lhe cabe. Mesmo histriônica, consegue construir momentos memoráveis – como na que contracena com Ranieri de peruca loira, num balaço inesperado. Nadja Naira não vai além do que o papel permite. Assim como o músico Gustavo Proença, marca posição e ajuda a dar qualidade à peça, que, devidamente aparada, seria ainda mais arrebatadora. Vale lembrar Leminski: “Viver é sucinto”. Em Vida boas ideias trazidas à luz se esgotam espichadas. Com o tanto que teve de bom e essencial nas mãos, Marcio Abreu desperdiça. Pormenor de quem mostra saber fazer bem o bastante.
Estado de Minas - Jeffersonda Fonseca Coutinho - 16/8/10
Um comentário:
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