Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara
sábado, 14 de agosto de 2010
Deu no Estado de Minas
Por Janaina Cunha Melo
O Festival Internacional de Teatro Palco & Rua – FIT BH não termina amanhã, com o fim das apresentações dos espetáculos. A 10ª edição de um dos eventos mais importantes do calendário cultural da cidade foi realizada em três meses, depois de a população da cidade – de artistas e produtores culturais ao cidadão que participou das passeatas e manifestações de protesto – ter feito a Fundação Municipal de Cultura (FMC) desistir da ideia de adiar a empreitada para o ano que vem. No domingo, a primeira etapa desse processo terá sido cumprida, com programação de alto nível, que não deixou lacunas em relação aos anos anteriores: mais de 100 apresentações em diferentes espaços, incluindo alternativos e centros culturais das nove regionais, com mais de 600 convidados, entre artistas e técnicos, nacionais e de outros países. A partir de amanhã, todos os envolvidos na empreitada aguardam convocatória prometida pela FMC para seminário em outubro, em que estará em pauta o festival e os desafios da gestão pública da cultura em Belo Horizonte.
Menos de um mês antes da cerimônia de abertura na Praça da Estação, ainda havia dúvidas por parte da comunidade artística se o festival ocorreria de fato. A despeito das controvérsias, a Fundação Municipal de Cultura, presidida por Thaïs Pimentel, assegurava não apenas a realização, mas a garantia de que novo modelo de gestão serviria de experiência para esta edição do FIT e também para outras realizações de porte semelhante que dependem da ação direta do poder público e parceiros. Várias instituições locais foram convidadas para compartilhar a gestão, sob a batuta dos curadores Solanda Steckelberg, Rodrigo Barroso e Lúcia Camargo.
Esta estrutura, que coloca a fundação na linha de frente coordenando empresas e entidades sem fins lucrativos para gestão, coordenação e realização, recebeu elogios por parte dos produtores, que destacaram como benefícios a oportunidade de interferir diretamente na curadoria, sugerindo grupos e trabalhos, e garante diversidade de linguagens. Os gestores também se manifestaram satisfeitos com a democratização do acesso aos meios de produção. Por outro lado, os realizadores indicaram dificuldades para a operacionalização dos trabalhos, falta de comunicação entre as diferentes instâncias de deliberação e desconhecimentos dos limites e possibilidades da gestão pública.
Os quase dois meses que separam o encerramento oficial da programação e o início dos debates, que contará com participação de convidados de outros estados, serão o prazo que a classe artística terá para organizar propostas, sistematizar ideias e levar para o centro das discussões questões essenciais para o desenvolvimento de métodos e práticas condizentes com a realidade local e os anseios da comunidade. “A ideia de adiar o FIT foi rejeitada pela cidade e a fundação acatou essa decisão, que foi de todos. É cedo ainda para uma avaliação mais sistemática, mas entendemos que demos conta da realização num prazo fora do comum, driblando os desafios”, avalia Thaïs Pimentel.
O seminário, afirma a presidente da fundação, será oportunidade para avaliação relevante, que contraponha as decisões tomadas no atual modelo. “Nos comprometemos com o setor, no sentido de ouvir as análises de cada um. Só assim teremos certeza se o caminho que estamos trilhando é o melhor”, afirma.
Considerando as vaias dirigidas ao prefeito Marcio Lacerda, em cerimônia de abertura do FIT no Grande Teatro do Palácio das Artes, as discussões devem apontar outros impasses quanto à definição de políticas públicas na área cultural para a cidade. As insatisfações são inúmeras, da potencialização dos centros culturais às reivindicações por melhores condições de trabalho no setor. Certamente, o embate não será fácil, embora necessário. No jogo da democracia, só há vencedores quando as cartas estão abertas na mesa.
Exercício de liberdade
A programação desta edição comemorativa do festival teve como destaques as apresentações de O banquete, do Teatro Oficina, e Donka – Uma carta a Tchekhov, da companhia Teatro Sunil, da Suíça. O diretor Zé Celso Martinez levou ao palco exercício de liberdade instigante. Em O banquete, ele e o Teatro Oficina provocaram reações diversas no público. Enquanto alguns se deliciaram com atmosfera inebriante, outros não deram conta do desafio e deixaram as instalações do Museu da Pampulha antes do fim do espetáculo.
De fato, a montagem é perturbadora na sua forma de transgredir. Confunde propositadamente o público e o privado, rompe limites entre o íntimo e o social. Sem luz, cenário ou figurino excessivamente elaborado, O banquete foi servido para deleite de todos, com humor e ironia próprios de um dos maiores mestres da dramaturgia brasileira contemporânea.
Donka – Uma carta a Tchekhov estreou no Brasil. O grupo levou à cena todos os elementos possíveis para a construção do espetáculo e emocionou o público com imagens surpreendentes e lúdicas. A encenação tem riqueza estética poucas vezes vista com tanta qualidade no país.
Para não esquecer
. Logo na abertura do festival, no Grande Teatro do Palácio das Artes, as vaias ao prefeito Marcio Lacerda, não por falta de educação, mas por posição política em favor da cultura de Belo Horizonte.
. A beleza dos efeitos visuais de Donka – Uma carta a Tchekhov, do Grupo Sunil.
. O público se apropria das instalações concebidas pelo cenógrafo do Corpo, Paulo Pederneiras, na Praça Sete e na Savassi.
. Em Menus larcins, dos franceses do Delit de Façade, lençóis azuis se transformam num oceano encapelado diante do olhar do público.
. A Cia. SeraQue? se despede em cortejo do público que assiste a Esquiz e canta com o grupo velhos cantos de despedida de devoções populares.
. Também não resiste a cantar junto com o elenco boa parte dos espectadores de Lamartine Babo, do Centro de Pesquisa Teatral –encenada por intérpretes que são tão cantores quanto atores.
. Um dos mais poderosos mitos do imaginário ocidental se materializa diante do público no momento em que o protagonista da intervenção Das saborosas aventuras de dom Quixote sobe à sela de seu cavalo montado sobre um carrinho em plena Praça Sete.
. O especial FIT Mostra o Circo, em tenda armada no Centro de Referência da Criança e do Adolescente, na Praça Rui Barbosa, revelou a qualidade das artes circenses produzidas na cidade.
. A mostra Movimentos urbanos no Espaço Centoequatro permitiu à cidade conhecer a potência de seus talentos, do erudito ao hip hop.
. A boa atuação de Guida Vianna, em Dona Otília e outras histórias, deu tom popular ao festival.
. No pirex, de Eid Ribeiro, ex-curador do FIT, excelente trabalho do Grupo Armatrux.
(Colaboraram Marcello Castilho Avellar e Jefferson da Fonseca Coutinho)
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