Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 24 de outubro de 2009

O sorriso da Laurinha

O movimento foi fraco naquela tarde de domingo. No Parque Municipal, o cinquentão Olegário não arrebentou mais do que dois quilos de milho. De marcante no expediente, apenas o testemunho de fora arrasador que a bela mocinha levou do canastrão da camisa vermelha: “Adeus!”. A cena triste chateou o pipoqueiro. Tanto que, pouco depois do episódio, ele resolveu encerrar o carrinho e a jornada.

Despediu-se do Nico, vendedor de algodão-doce, que, feliz da vida, segurava o varão com único exemplar de resto. Andou sem pressa, tocando as rodinhas empenadas. O barulho irritante do carrinho abafava o canto dos pássaros e das cigarras. E assim, comendo algodão cor-de-rosa, que comprou do amigo, o Olegário seguiu até a velha caminhonete, estacionada sob o viaduto Santa Tereza.

Amarrou firme o ganha-pão na carroceria e assumiu o volante. Insistente, bateu a chave na ignição até reanimar o motor cansado. Subiu a Rua da Bahia para dobrar a Avenida Augusto de Lima, rumo à Praça Raul Soares. O sol morria sem graça quando o Olegário abriu o portão de aço da garagem do casarão azul, no Bairro Serrano. Venceu as escadas de cimento grosso e cruzou o alpendre. Ao abrir a porta da sala, reencontro inesperado.

No sofá, Luzia, a filha única, expulsa de casa há dois anos por ocasião de gravidez indesejada, segurava as mãos da mãe. Ao lado, de pé, o genro, desafeto em tempos de destempero e ignorância. Na fita da retina, o passado, como filme: a noite em que expulsou a garota de casa, contrariando os apelos da mulher: “Não faz isso, Olegário! É nossa menina!”. Já ele, sem dó ou perdão: “Quero essa vagabunda longe daqui. Não criei filha minha pra se embarrigar na rua. Tá aqui a sua trouxa. Agora, some!”.

O Olegário, mudo, só retomou o presente ao ouvir a voz da filha, mais grave do que na época em que partiu. “Pai”, disse baixinho em tom melancólico. O pipoqueiro apenas meneou a cabeça. A mãe prendia o choro por tristeza profunda. O jovem marido encarou o sogro como o mais duro de todos os homens. Luzia foi quem desenrolou a conversa:

– A gente não quer incomodar. Só tava esperando o senhor.
– O que você e esse sujeito vieram fazer aqui?
– Trazer um convite. É... pra missa de 7º dia da nossa filha.

Na foto em papel barato, o último sorriso da pequena Laurinha. Com pouco mais de um ano de vida, o bebê foi vítima de pneumonia. Com o impresso na mão, Olegário desabou por dentro enquanto o casal partia.

Jefferson da Fonseca Coutinho - Vida Bandida - 24 de outubro de 2009

Um comentário:

Anônimo disse...

PREZADO JEFFERSON: MEU NOME É EUSTÁQUIO MAXIMIANO E SOU LEITOR ASSÍDUO DO "AQUI" E
PRINCIPALMENTE DA SUA COLUNA AOS SÁBADOS: "VIDA BANDIDA". DESDE QUE COMECEI A LER O
AQUI, NUNCA DEIXEI DE LER UMA CRÔNICA SUA. GOSTEI E GOSTO DE TODAS ELAS. MAS, ESSA
DE SÁBADO DIA: 24/10/2009 INTITULADA: O SORRISO DA LAURINHA, PRÁ MIM, FOI UMA DAS
MELHORES QUE LI ATÉ AGORA. VC FOI MUITO FELIZ NO TEMA QUE, EMBORA NÃO SEJA MUITO
ATUAL, AINDA VIGORA EM ALGUNS LARES. O PAI EXPULSA A FILHA DE CASA POR CAUSA DE UMA
GRAVIDEZ INDESEJADA, E DEPOIS RECEBE DA PRÓPRIA FILHA, UM CONVITE DE MISSA DE SÉTIMO
DIA DA NETA QUE ELE REPUDIOU. OLHA, CONFESSO QUE CHEGUEI ÀS LÁGRIMAS AO TÉRMINO DA
LEITURA. E ESPERO QUE ESSA CRÔNICA TENHA SIDO LIDA POR MUITOS PAIS QUE AINDA
CONSERVAM ESSA IDÉIA E PENSEM BEM ANTES DE TOMAR CERTAS ATITUDES. É LÓGICO QUE
NENHUM PAI E OU MÃE, GOSTARIAM DE VER SUAS FILHAS ENGRAVIDAREM SEM ESTAREM
PREPARADAS PARA ISSO. SERIA BEM MELHOR SE ISSO ACONTECESSE APÓS O CASAMENTO E OU
MESMO DURANTE UMA RELAÇÃO ESTRUTURADA. MAS OS TEMPOS SÃO OUTROS. E ENTÃO, SE
ACONTECEU, O QUE SE TEM A FAZER, É COMPREENDER E DAR TODO CARINHO E APOIO À FILHA E
CONSEQUENTEMENTE, AO NETO(A), MESMO QUE ISSO CUSTE ALGUM SACRIFICIO NÃO É MESMO? POR
ISSO ESTOU APROVEITANDO ESTE ESPAÇO, PARA PARABENIZÁ-LO POR SEU TRABALHO E POR SUAS
CRÔNICAS TÃO BEM ESCRITAS E SEMPRE CHEIAS DE CONTEÚDO ATUAIS E O QUE É MELHOR, SEM
AGRESSÃO GRATUITA. ESPERO QUE VC POSSA CONTINUAR POR MUITO TEMPO NOS BRINDANDO COM
SUAS CRÔNICAS MARAVILHOSAS AOS SÁBADOS. MAIS UMA VEZ, PARABÉNS E QUE DEUS POSSA
CONTINUAR TE ABENÇOANDO E TE DANDO ESSA INSPIRAÇÃO QUE VC TÃO BEM SABE FAZER USO. UM
ABRAÇO DO LEITOR AMIGO,
Eustáquio Maximiano