Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 12 de setembro de 2009

Jezebel

Quando a Laurinha ficou na pior, sem chão ou amparo, foi Jezebel quem lhe estendeu as mãos. Amigas desde a infância, dava gosto ver as duas. Cresceram e estudaram juntas até a graduação: advogadas. Fizeram direito porque queriam se dar bem na vida. Começaram a namorar na mesma festa, com dois amigos da faculdade: Romão e Danilo. Com os pensamentos adiante, no futuro, nunca foram de muita farra. Viviam para os estudos. Apaixonadas, objetivas, decidiram se casar logo depois de concluído o ensino superior.

Mas a roda do destino, que gira e cambaleia, acabou por redesenhar o rumo das duas. Laurinha foi morar em Brasília, por ocasião de emprego sensacional que o marido Romão conseguiu por indicação de amigo do pai senador. Já Jezebel, com a ajuda da família, montou escritório tributarista em Belo Horizonte, enquanto o marido sonhava ser juiz. Sonho apenas, já que, estudante medíocre, jamais conseguiria dobrar concurso algum. Apesar da distância, Laurinha e Jezebel continuaram próximas, favorecidas pelos avanços da era digital. Contudo, tocavam caminhos cada vez mais distintos.

O tempo, cruel como a preguiça, sapecou cinco anos no virar das folhinhas. Jezebel ainda quebrava o desjejum, quando, pelo interfone, “seu” Nelson avisou que a amiga, de malinha na mão, estava na portaria. “Laurinha!? Claro que ela pode subir”, respondeu, surpresa. Tragédia pouca é bobagem: Romão, o ex-marido, se apaixonou por segurança do congresso, chutou o pau da barraca e foi morar com o tal armário. “Gay, Bel. O Romão sempre foi viado! Dá para acreditar?”, disse em prantos, entre goles de água com açúcar. “Não tenho mais família, só tenho você, amiga”, desabou em frangalhos.

Jezebel amparou Laurinha, desempregada, separada, sem pai nem mãe (mortos em acidente no ano passado), como se a infeliz fosse sangue do seu sangue. Preparou suíte luxuosa, de hóspede, com tudo do bom e do melhor, e orientou a empregada: “Quero que a senhora cuide dela como cuida de mim, dona Irene. A casa é sua, Laurinha, fique por todo o tempo que precisar. Quando quiser, você começa comigo lá no escritório”. Até emprego Jezebel arrumou para a sujeita. Danilo, o marido de Jezebel, também recebeu Laurinha muito bem. Longe de ser juiz, o cidadão, para não viver apenas nas costas da mulher, fazia bico como vendedor de azeite e trabalhava vez por outra apenas.

No chicotear dos dias, seis meses passados. Dona Irene sabia e não contou por fraqueza. Foi preciso que Jezebel chegasse mais cedo e visse, por canto besta do portal de alumínio, as indecências do marido canalha com a ingrata Laurinha. Não fez escarcéu nem aprontou gritaria. Apenas dispensou a empregada e, sem fome, preparou jantarzinho especial para os dois. Danilo e Laurinha, envenenados, não amanheceram com vida. Naquela manhã, Jezebel, enfim, acordou nos braços da paz.


Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 12 de setembro de 2009

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