A notícia da morte de Marcello Castilho Avellar, amigo, irmão, companheiro em artes e letras, mestre e homem da cultura, veio num sopro com as marolas do mar da cor do céu. No México, pausa na felicidade de nova etapa na vida para rever – como um filme – mais de 20 anos de amizade construída na força bruta do estudo e do trabalho, do respeito e da admiração. Primeiro, o professor; depois, o colega de editoria no jornal Estado de Minas, na Escola de Teatro da Puc e nos palcos de Minas e do Brasil. Para sempre, mestre em duas grandes obsessões: o teatro e o jornalismo. Juntos, desde 1995, com “Vincent”, espetáculo inspirado em Van Gogh, percorremos várias cidades do interior do estado e seis capitais brasileiras. Em 2001, realizamos “O cântico dos cânticos”, experimentação a seis mãos com a atriz Maíra Soares. Em 2006, de Lourenço Mutarelli, “Eu era dois em meu quintal”, cena curta que nos fez levar a cara a tapa como atores-encenadores, em projeto do Grupo Galpão. Na última década, ao menos uma dúzia de assistências em espetáculos de formatura.
Na última semana, imagino, muito já foi dito nos jornais e nas redes sociais sobre o crítico de arte genial que a imprensa brasileira perdeu. No entanto, vai ser sempre preciso dizer mais e melhor sobre o homem distinto, absolutamente livre, que muita gente não teve o prazer de conhecer pessoalmente. Professor exemplar, provocador, que ajudou na formação de duas gerações de artistas dos melhores que Minas já conheceu. Passaram por suas salas de estudo – das pequenas oficinas às grandes instituições de ensino – artistas profissionais que aprenderam a ensinar. Se nas aulas de arte e nos bastidores de importantes montagens ele fez escola, na redação não podia ser diferente. Mesmo sem ter cursado faculdade de jornalismo, tornou-se referência para muitos colegas no trato da informação e no ajuntamento das letras. Informativos ou analíticos, seus textos sempre foram objetivos, elegantes e singulares, objetos de estudo para estudantes, diplomados e pós-graduados da comunicação.
Indomável, Marcello jamais foi homem de regras e concessões. Quando algo não lhe dizia mais respeito, ele simplesmente dava de ombros para seguir seu espírito livre. Da redação e das escolas, incomodado, simplesmente foi embora sem olhar para trás ou pedir as contas. Fez isso meia dúzia de vezes nas duas últimas décadas. Teve até episódio no curso de direito da UFMG – para o qual ele foi aprovado sem estudar para o vestibular. Por entender que alguns professores diziam “besteiras” demais, largou a graduação pela metade. Ah, também gostava muito de dormir em salas de ensaio, teatro e cinema. Raramente chegava na hora de qualquer compromisso e vivia de dar bolo nos amigos. Muita gente não sabe, mas Marcello viveu num grande aperto financeiro. Por vezes, sem grana até para a condução. Dono de coração bem maior que o bolso, abria mão de seus trocados para não ver os amigos em dificuldades. Não deixou se vender para os burocratas do poder público, que viviam de lhe assediar. E assim, distinto, dormindo, Marcello deu de ombros aos “humanos”. Um minuto de silêncio, por favor. Em homenagem a um verdadeiro homem livre.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 7/11/11
2 comentários:
Texto lindo Jefferson. Suas palavras sempre com o dom de emocionar. Parabéns pelo texto!
É... disse tudo. Tão forte e autêntico é Marcelo que estar com ele, nos faz sentir verdadeiros, como o seu texto. Obrigada
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