Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara
segunda-feira, 14 de novembro de 2011
Alegro bebum
Gabriel Ramírez, de 40 anos, é bebedor profissional. Trabalha para a mais importante produtora de tequila de Cozumel (foto), ilha do Mar das Antilhas pertencente à província de Quintana Roo, no México. O lugar é um paraíso banhado por mar de cor azul-turquesa, com cerca de 90 mil habitantes. Gabriel está na ilha desde garoto. Por opção. Decidiu deixar a capital dos Estados Unidos Mexicanos – Cidade do México – para viver em paz próximo ao farol, mar adentro. Lá, não tem contas a pagar, menos ainda compromisso com o que não lhe interessa. Tem dois filhos, Juan e Miguel. É casado com a bela Dulce (“É ‘Doce’ como el azúcar”, a apresenta, feliz, em portunhol). Os garotos estão bem na escola e já dominam a língua inglesa. “Fazem o que querem desde os tempos do ventre. Jamais tiveram um resfriado sequer”, conta.
O mexicano bem que poderia fazer fama e fortuna nos teatros, nas tevês e nos cinemas, como intérprete. Trata-se de um ator de recursos invejáveis. Jamais estudou artes dramáticas na vida, mas merece um Oscar pela performance para a plateia de turistas de todo o mundo presente em mais um fim de tarde. Era a quinta do dia. Em média, são seis “palestras” diárias. Em cada uma delas, com a melhor cara do mundo, manda goela abaixo cinco doses de preparos à base da melhor tequila de que já se teve notícia. De licores com café à mais pura “Cava Antigua” – assim chamada a tequila de Cozumel. Não bebe apenas. Num trabalho solo, repleto de pausas, intenções e transições – como se recitasse Shakespeare –, Gabriel diz à plateia de homens e mulheres:
“Hombre, quando você bebe tequila você tem uma imagem de si mesmo como um ‘bandito’ com um bigode de cabo longo, provavelmente montado em um cavalo com uma cartucheira pendurada em seu peito”, sorri ao olhar para o americano com pinta de agente da CIA. Pisca para a senhora gorda de dentes amarelos: “Então, novamente, chica, se você é mulher, você provavelmente tem uma imagem de si mesma sentada em uma praia do Caribe depois de uma partida de golfe, sob uma palmeira com seu namorado, bebericando alguns margarita wild-coloridas”. E segue num ritual para o gole final: “Arriba, abajo, ao centro”, tigue, tigue, tigue (faz dancinha rebolada) e vira de uma só vez o copinho de plástico descartável, levando o público com ele na coreografia, de fazer rir até o careca bigodudo da cara amarrada.
O povo bate palmas. Assim vive Miguel, que, ao fim do dia, está bastante alegre com a garrafa de sabores dos mais ricos e variados do México, entornada em pequenas doses. O mexicano não tem salário. Vive das gorjetas acumuladas no chapéu. Apresenta-se em parceria com o primo Tico, assistente encarregado de distribuir os copos e servir a tequila e seus derivados. Depois da “palestra” de Gabriel e da degustação, são poucos os que deixam o rancho sem levar ao menos uma garrafa. Os preços variam entre US$ 45 e US$ 85. Alegre com mais uma jornada de bom desempenho, Miguel recolhe a parte que lhe cabe dos trocados e segue para os braços da bela Dulce. Vai a pé, porque, consciente, prefere não tocar sua motoca depois do trabalho.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 14/11/11
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