Ninguém melhor do que o próprio Eid Ribeiro para definir o teatro de Eid Ribeiro: “Absurdo, poético, grotesco e alegre”. Beirando meio século de carreira, o diretor e dramaturgo, aos 67 anos, ganha homenagem do Grupo Trama, com mostra de espetáculos e ciclo de leitura dramática. A partir de amanhã, o público poderá conferir a programação, que vai até 8 de junho. Estão em pauta os espetáculos O pastelão, John e Joe e Os três patéticos, além dos textos Lágrimas de guarda-chuva, O cachorro de três pernas e O chapéu do meu avô – os dois últimos inéditos.
Depois de um 2010 turbulento, no olho do furacão em meio a polêmicas em torno do vai-não-vai do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte (FIT-BH), do qual era o principal curador, Eid dá sinais de que sai, sobrevivente, sem grandes mágoas. No entanto, não evita tocar no assunto nem poupa críticas à falta de respeito, experimentada e testemunhada por ele em relação à cultura por parte da Prefeitura de Belo Horizonte. “Querem privatizar os teatros. Curitiba administra tantas casas e aqui eles acham que não precisam assumir as salas, que podem agir assim. É só ver a situação do Francisco Nunes e do Marília, caindo aos pedaços”, reclama.
Longe do imbróglio com os gabinetes, o criador está de volta. Acaba de escrever texto de único ato, que promete dar o que falar: O cachorro de três pernas. Dois velhos palhaços, no asilo, travam “uma conversa atravessada”, antecipa ele. Quem conhece a obra de Eid Ribeiro, rumo ao topo da maturidade (“mais pra lá do que pra cá”, ele brinca) e sem fazer concessões, já pode imaginar as duras críticas que já estão no papel.
Engajado, formado pelo Teatro Universitário, o TU da Universidade Federal de Minas Gerais, nos anos de chumbo, companheiro de homens da arte de projeção nacional, como Alcione Araújo, Neville D’Almeida e José Antônio de Souza, Eid, que passou anos dividido entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro, sempre assumiu a vocação para o teatro de grupo. Com esse espírito de compartilhamento e pesquisa, surgiu o grupo Geração, no fim dos anos 1960, trazendo à luz denúncias contra a censura, a prisão e a tortura. Daí para frente, o “teatro de guerrilha” de Eid Ribeiro ganhou voz e corpo, influenciando muita gente.
Mais absurdo
Em período de paz, embora a inquietação seja constante – característica de sua pena –, o teatrólogo que lançou às grimpas o Grupo Galpão, com Corra enquanto é tempo (1988) e Álbum de família (1990), está de volta à sala de ensaio com novo Beckett. A adaptação se baseia em novelas do escritor irlandês, ícone do teatro do absurdo. Em cena estarão Rodolfo Vaz, do Galpão, e Kelly Crifer, do Grupo Teatro Invertido. A estreia é prevista para julho, inaugurando outro espaço na Funarte, na Casa do Conde. Na sequência, Eid prepara o lançamento de livro com cinco peças: Uma noite e tanto, A verdadeira história de D’jeca Tattoo, Lágrimas de guarda-chuva, O cachorro de três pernas e Os três patéticos.
Andante do mundo, especialmente quando curador do FIT por 16 anos, Eid lamenta a falta de valorização do teatro de rua no Brasil. Cita a Espanha e a França como modelos admiráveis de apoio ao circo e à rua. “Lá há subvenção, sindicatos organizados. Fazem grandes produções. Tem de tudo, muito benfeito, da tenda com cama de casal, um moribundo e cinco pessoas por vez na plateia às megaproduções”, comenta. Aqui, ele cita o Galpão como importante apoiador do gênero, com o projeto Pé na rua. Mas é muito pouco, considerando-se a extensão do país.
Eid conta que essa foi a grande dificuldade que o FIT enfrentou durante anos. “Trazer grupos brasileiros de teatro de rua era a coisa mais complicada do mundo. A gente procurava e não achava, justamente por essa falta de valorização. A mesma dificuldade observamos na África”, compara. “Só trouxemos um grupo africano, uma vez. Vi-o na Argentina, mas, para você ter uma ideia, a sede ficava na Alemanha”.
No canto
De bem com a vida, Eid Ribeiro não faz carnaval com a homenagem que recebe do Grupo Trama. Brincalhão, diz até que “é uma encheção de saco” essa história. “Prefiro ficar no meu canto, quieto, trabalhando, fazendo as minhas coisas”.
Num barracão de fundos, no Bairro Santo Antônio, Eid guarda pouco material impresso sobre as dezenas de montagens que realizou. Mas o olhar traz brilho especial quando cita vários de seus trabalhos – especialmente a direção de Toda nudez será castigada, na Venezuela, em 1994, além da obra para crianças. São dele os infantis Bicho-de-pé, pé de moleque (1991), Anjos e abacates (1992) e De banda pra lua (2007). O último com o Grupo Armatrux, com quem fez o adulto No pirex (2010), um dos melhores trabalhos inspirados no teatro do absurdo feitos recentemente em Belo Horizonte.
Avesso a entrevistas, o diretor não é do tipo que gosta de aparecer fora do texto e do palco. Ao fazer o balanço de quase meio século de dedicação e amor à arte, Eid Ribeiro repete Nelson Rodrigues. E deixa este conselho luminoso para a juventude: “Envelheça”.
Grupo Trama
Com a autoridade de quem assistiu a espetáculos da maior parte do planeta, Eid Ribeiro elogia o teatro de grupo feito em Minas Gerais. “É um dos melhores do Brasil, sem deixar muito a dever lá fora. Em alguns casos, estamos até muito à frente dos estrangeiros”. Lamenta, entretanto, a falta de público e o desinteresse das pessoas por espetáculos encenados ao longo do ano, fora da campanha de popularização e do projeto Verão arte contemporânea, que atraem muita gente, mas apenas de janeiro a março.
Eid Ribeiro lamenta a perda, por falta de recursos, da sede do Grupo Trama, no Bairro Floresta. Com gratidão e respeito, fala do trabalho da companhia: “Voltei a dirigir praticamente por causa do Trama. Fiquei muitos anos só no FIT, porque viajava muito e gosto de dirigir uns seis, nove meses, ensaiando sem data para estrear. Aí, me convidaram para fazer Os três patéticos, em 2004. A gente ficou um ano e meio em ensaios, sem saber o que ia fazer. Gosto muito do trabalho artístico e social do grupo, levando arte à periferia, assim como o Zap 18”, afirma, referindo-se ao grupo de Cida Falabella, com sede no Bairro Serrano.
Programação
O PASTELÃO (foto)
Amanhã, às 20h
. Centro Cultural Padre Eustáquio (Rua Jacutinga, 821, Bairro Padre Eustaquio)
Sábado, às 20h
. Ponto de Cultura COR-Tição. Sede do Grupo TNA (Rua João Gualberto de Abreu, 170, São João Batista)
Domingo, às 10h30
. Centro Cultural Pampulha (Rua Expedicionário Paulo de Souza, 185, Urca)
JOHN & JOE
5 de maio, às 20h30
. Centro Cultural Pampulha (Rua Expedicionário Paulo de Souza, 185, Urca)
7 de maio, às 20h30
. Casa do Beco (Av. Arthur Bernardes, 3.876, Aglomerado Santa Lúcia)
OS TRÊS PATÉTICOS
2, 3 e 4 de junho, às 20h30
. Teatro Marilia (Av. Alfredo Balena,
586, Centro)
CICLO DE
LEITURA DRAMÁTICA
Os textos Lágrimas de um guarda-chuva, O cachorro de três pernas e O chapéu do meu avô serão lidos pelos grupos ZAP 18, Cia. Candongas e Mayombe.
6 de junho, às 20h30
ZAP 18 (Rua João Donada, 18, Serrano)
7 de junho, às 20h30
Casa de Candongas (Av. Cachoeirinha, 2.221, Cachoeirinha)
8 de junho, às 20h30
Esquyna – Espaço Coletivo Teatral (Rua Celia de Souza, 571, Sagrada Família)
* Entrada franca. Ao final do espetáculo, os artistas “passam o chapéu”. No caso de Os três patéticos e John & Joe, senhas devem ser retiradas uma hora antes das apresentações.
(Foto: Maria Tereza Correia)
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