Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Florbela e o enfermeiro

De romance a tragédia incendiária, de único ato. Florbela quis mandar o amor para o inferno e ateou fogo no marido. “Descanse em paz, desgraçado!”, e tome fósforo na madrugada, no corpo cinquentão encharcado de álcool. O enfermeiro acordou em chamas e tentou correr para o banheiro, mas a mulher, no momento, não queria fracassar e fez de tudo para bloquear o caminho. “Morre, infeliz!”, dizia entre dentes, cercando-o, andando de lado, quem nem caranguejo valente. A vizinhança agiu rápido e a polícia também foi ligeira. Salviano, sapecado na brasa, em estado gravíssimo, foi levado às pressas para o João 23. Já Florbela, quem diria, aposentada, viúva honesta, boa mãe de família, de camisola, foi ver a lua sumir quadrada na delegacia.

Pausa para pensar na vida. Pelo que diz a vizinhança o Salviano não era lá flor de cheiro. Gostava bem de estapear a mulher. Nada que justifique, é claro, a atitude da aposentada fogosa. O que ninguém entendia é que havia muita química entre os dois. Uma loucura. Viviam grudados para lá e para cá. Foi só no último mês que a situação tomou rumo de destempero. No início, três anos atrás, a coisa foi bem outra e o fogo era o da paixão, daquele que só faz é chamuscar os sentidos. Entre quatro paredes rolava o diabo entre Florbela e Salviano. No bairro Milionários, comentário era geral: “Velhos que nada! Com aqueles dois é todo dia. Todo dia!”.

Nicolau, dono do inferninho do Irajá, se lembra bem como e quando o casal amigo se conheceu. Logo quando soube do ocorrido, fez questão de ir à delegacia e contar tudo o que sabia ao delegado Viana: “Como podia esquecer, doutor!? Foi lá no meu estabelecimento num sabadão de rela-rela. A Florbela estava uma beleza, vestida de vermelho e com um cabelo assim... pra cima... como é que se diz? Isso mesmo: coque. Sei bem porque o pescoço dela tava bonito demais com um colar colorido. Aí, o Salviano, que desde que foi largado pela ex-mulher dele, tava sempre lá, ficou doido com a Florbela. Mas não foi só ele que ficou assim não, todo mundo lá ficou de olho nela. Só que a danada tava dando mole mesmo era pro Salviano. Dançava com um, com outro, mas não tirava o olho do Salviano. Até que os dois se atracaram num forró. Aí, quase que foi lá mesmo que os dois arrancaram a roupa. Parecia até adolescente em festa de 15 anos. Acho que já saíram do meu estabelecimento e foram morar juntos”, concluiu.

Depois de ouvir o depoimento voluntário do Nicolau, o delegado Viana, linha-dura, corretíssimo, quis conhecer de perto a tal incendiária. Primeiro ficou a observá-la através do vidro da sala. Parecia um anjo alourado, boa avó e mãe de família. Linda a mulher madura. Estava sentada, distante, com uma mão na outra, brincando de rodar a aliança no dedo anelar esquerdo. A cabeça da criminosa estava a mil. Talvez por arrependimento, talvez por saudade, simplesmente. Ao ver o delegado Viana ganhar a cela, Floberla desembargou a garganta e deixou falar o brilho nos olhos: “E então, doutor... deixa meu homem morrer, não! Deixa não! Pelo amor de Deus!”.


Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 25/4/11

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