Quis o céu levar Maria num Dia de Nossa senhora Aparecida, padroeira do Brasil. O Zé, companheiro de praça, quase irmão, perdeu a mãe em 12 de outubro de 2000. “Não há tempo que cure a saudade. Não há. Os anos se vão e os suspiros, os mais profundos, aqueles da alma, permanecem provocando o coração da gente, Josiel”, disse o Zé, domingo. Há dez nos, no fim de semana que antecede 12 de outubro, reunimos grupo de amigos na casa do Zé para homenagear Maria. Uma mulher extraordinária que partiu menina ainda, aos 66 anos. A mãe do Zé era também a mãe de todos os amigos do Zé que, por força do destino, perderam suas mães. Éramos cinco – os sem mãe – que pegavam uma carona nas asas da boa senhora. Por duas décadas, Beto, Maurício, Paulão, Fabinho e eu pedimos a bênção a mãe do Zé.
Ah, dona Maria, como a senhora faz falta. O que mais impressionava na mãe do Zé era a doçura e a educação. Não havia vizinho, amigo, parente ou conhecido que não admirava o jeito doce e particular dela de dar conselhos – e até puxões de orelhas. “Lembro-me de cada lição que aprendi com ela, especialmente no que diz respeito ao amor e respeito ao próximo”, comentou Beto. Maurício emendou: “Quando pensei em deixar a Marta, dona Maria conversou muito com a gente. Meu casamento já estava praticamente perdido. Ela ajudou tanto que acabou dando certo. Se, hoje, a gente tá junto, e bem, devemos isso a dona Maria”.
Todo mundo foi emendando uma boa recordação na outra, envolvendo os carinhos e cuidados da cabeleireira, protetora de todos nós. O Paulão, muito emocionado sempre com o 12 de outubro, não podia faltar: “Quando minha mãe morreu, dona Maria ficou do meu lado o tempo todo. Não fosse o amparo dela, não sei o que teria sido da minha vida, moleque, com 7 anos”. O Paulão cresceu na casa do Zé, vizinho de porta, em Santa Efigênia. Quase irmãos: assim crescemos todos no entorno da Avenida Mem de Sá.
Uma das passagens mais emocionantes da história do Zé e de dona Maria foi quando ele foi trabalhar no Iraque e por lá ficou quase três anos. Telefone na época era coisa de outro mundo. Ele vivia brigando com a mãe porque ela não escrevia. Ele não passava mês sem mandar duas, três páginas, pelos correios. E ela nada, nenhuma linha. Quando o Zé voltou para o Brasil, fomos buscá-lo no aeroporto. Lá, chorando, abraçado a dona Maria, o viajante ainda cobrou as cartas. Ela, sem graça, respondeu: “Meu amor, desculpa a mamãe. É que minha letra é feia demais”. Nunca esqueci a cena.
Mais de dez anos se foram e, em dezembro de 2000, quando o Zé, tristíssimo, reuniu forças para desfazer o quarto da dona Maria, morta há dois meses, ele encontrou duas caixas de sapatos cheias de cartinhas iniciadas. Todas para ele. Foi quando soube que a mãe era analfabeta. Ainda assim, sozinha, deu conta de rabiscar em dezenas de folhas pautadas: “Querido e amado filho José…”. Até ano passado, as caixinhas eram guardadas como verdadeiros tesouros. Em outubro, foram incineradas. As cinzas, no Natal, levamos e jogamos no mar do Espírito Santo. Hoje, dia de Nossa Senhora Aparecida, saudamos também nossa amada mãe Maria.
Bandeira Dois - Josiel Botelho - 12/10/11
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