Meia dúzia de pessoas na sala de cinema em noite de estréia. Rock Brasília – A era de ouro, de Vladimir Carvalho, não é para a massa. Não é para quem busca entretenimento. Não compete com os blockbusters americanos de excelência em efeitos especiais em som, imagem e na vendagem de pipocas. O documentário, de melhor, tem idéias que embalaram uma geração de jovens brasileiros. Chega a ter áudio tosco, fotografia frágil e figurações desnecessárias – os atores contratados para fazer cena não acrescentam ao longa-metragem. Mas nada disso importa. O que faz valer Rock Brasília é sua beleza histórica e os ideais de seus protagonistas. Para quem está na casa dos 40 anos, saber mais sobre a garotada de bandas como Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude e Os Paralamas do sucesso tem significado bastante singular.
Em Belo Horizonte, nos anos 1980, distante do Distrito Federal, um grupo de estudantes do Colégio Santos Dumont, no Bairro Santa Efigênia, juntava trocados para comprar os discos de Renato Russo, Dinho Ouro Preto, Philippe Seabra e companhia. De família de poucos recursos – anos difíceis aqueles –, todos trabalhavam pesado durante o dia e encaravam com seriedade as aulas até depois das 22h. Filhos de alfaiate, barbeiro, pedreiro e sapateiro, Tonho, Kim, Kiko e Fabinho eram fãs da música que vinha de Brasília. Até gostavam das bandas Ira, Doutor Silvana e Cia., Titãs, Camisa de Venus e Kid Abelha. Mas eram as canções do grupo Legião que os garotos mais gostavam de cantar. Tanto que Fabinho aprendeu a tocar violão por causa de Faroeste Caboclo – letra que ele virou madrugada para decorar, enquanto treinava datilografia.
O documentário do Vladimir Carvalho revela que o Fé Lemos, baterista do Capital Inicial, vendeu bicicleta para comprar bateria. O Fabinho, do Santos Dumont, também vendeu a bicicleta para comprar violão. Depois das aulas, em frente ao colégio, na Avenida Mem de Sá, o músico amador comandava sarau ao menos duas vezes por semana. O garoto, office boy, não era grande coisa nas seis cordas, mas cantava com timbre de profissional. A amizade do grupo crescia à medida que eles compreendiam melhor as mensagens que vinham da moçada de Brasília. “Vocês vão fazer alguma coisa para consertar as próprias vidas? Eu cheguei a seguinte conclusão: não adianta consertar o resto. Consertar a gente ajuda pra caramba”, disse o Renato Russo, num show, entre estrofes de Que país é esse?.
Em 1988, logo depois do trágico episódio envolvendo o Legião Urbana no Estádio Mané Garrincha, no Distrito Federal, Tonho, Kim, Kiko e Fabinho foram ao Mineirinho ver Renato Russo comandar show em BH. Inesquecível. Novas escolas e oportunidades de trabalhos fora de Minas acabaram por afastar o quarteto que fazia cover do Legião nas esquinas de Santa Efigênia e nos acampamentos na Serra do Cipó. No entanto, o rock-martelo deu resultado e os garotos seguiram suas vidas em busca de fazer diferença. Reencontro marcado mais de 20 anos depois. Já quarentões, dois professores e dois advogados, pais de filhos de boa educação, o grupo se reuniu na última sexta-feira para ver o filme Rock Brasília. Fabinho levou o velho violão. Depois, na calçada, em mesa de boteco tradicional, ninguém entendeu nada ao ver o quarteto grisalho, em performance adolescente, tocar e cantar “Que país é esse?”.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 24/10/11
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