Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

domingo, 20 de junho de 2010

A vida é um espetáculo

Um diletante das letras. É assim Waldir de Luna Carneiro: amador no sentido mais belo da palavra. Um amante da dramaturgia, enamorado do teatro elaborado, que transforma e diverte. Às vésperas de completar 90 anos, dos quais mais de 60 dedicados à arte, com dezenas de peças escritas e outras tantas encenadas, o escritor e jornalista recebe nova homenagem. A Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Alfenas, no Sul de Minas, acaba de publicar o segundo volume do Teatro completo, com 480 páginas, de seu mais ilustre teatrólogo.

Não há espaço em jornal impresso que dê conta da vida desse contador de histórias. Nascido em 1921, em Santa Rita do Sapucaí, Waldir de Luna Carneiro se mudou para Alfenas em 1938. Pouco tempo depois, seguiu para o Rio de Janeiro para trabalhar com arquitetura e acabou servindo à Força Expedicionária Brasileira (FEB), durante a 2ª Guerra Mundial. Período em que registrou a vida militar por meio de desenhos e textos que satirizavam os maus momentos vividos sob a farda. Além de soldado dedicado, foi também quadrinista no quartel. De volta a Alfenas, aos 23 anos, casou-se com Zélia Amaral Carneiro. Juntos, viveram 57 anos – até 2005, ano em que ficou viúvo. Funcionário público concursado, leitor e escritor voraz, construiu carreira paralela na Caixa Econômica Federal. "O teatro não dá dinheiro. Só prazer. O pão eu ganho na Caixa", diz, por telefone, bancário aposentado, cheio de bom humor.

Não é preciso conversar muito com Waldir de Luna Carneiro para perceber o tanto que há dele em sua comédia de costumes – aparentemente simplória, no entanto riquíssima em entrelinhas. O dramaturgo – que apenas vez por outra se arrisca no drama – não perde o timing da graça nem a lucidez política na menor fala. "Escrevo para me manter vivo. Muita gente precisa do vício ou da mania. Melhor a boa mania para não se acabar na cachaça", diverte-se. Suas peças, em geral realistas e fantásticas, demonstram apurado olhar crítico sobre o cotidiano e a vida pública.
"Momento! Não tive a oportunidade de contestar a sua sólida argumentação. Quero apenas lembrar que na democracia todos têm direito à informação. Nada que seja humano nos deve ser indiferente. Você escrevia no muro porque almejava partilhar com o povo as suas opiniões. Aqueles nomes pichados eram mensagens que você enviava à comunidade. No jornal dirá coisas mais importantes e sutis", diz Juscelino Firmino, personagem jornalista de Verdades implacáveis, de 1997.


Censura e vizinhança

Em 1954, a pena crítica do perspicaz Waldir de Luna Carneiro foi censurada pela administração municipal. Sob a alegação de que sua obra fazia "referências desabonadoras" ao Executivo da cidade. O alvo de censura foi A polêmica, comédia de único ato, que tem lista de personagens encabeçada por "um prefeito honesto". Em determinada passagem, um tio jornalista traz na fala: "De toda esta pilha de fatos, você veria despontar o seu caráter. Ora, muito bem, cresceu, estudou, formou-se e hoje está casado. Honesto, íntegro, imaculado. Você parece capa de santo, mas não parece político brasileiro. Permite-me agora umas perguntas?".

Waldir de Luna Carneiro tem na boa prosa o orgulho de não ser homem de concessões. Responsável pela percepção crítica de várias gerações de grupos de teatro do Sul de Minas, o jornalista e dramaturgo é nome dos mais homenageados do teatro mineiro. Sua contribuição à cultura da região, lhe valeu, entre tantos outros prêmios, a Medalha da Inconfidência, em 2002. Para ele, sua vocação parece não ter segredos. "Sou um observador. Para escrever é preciso ficar atento ao que dizem. Escrever teatro é isso", ensina como quem gosta mesmo é de aprender. "Costumo chamar o que fazemos de ‘teatro de vizinhos’. Quem faz é vizinho e quem assiste também. Faço teatro especialmente para grupos amadores. É preciso muito amor para fazer teatro", revela.

As influências são muitas, variadas e de tirar o chapéu. Entre os mais facilmente reconhecidos em sua obra estão William Shakespeare (1564-1616); Gilbert Keith Chesterton (1874-1936); Giovanni Papini (1874-1936); Federico Garcia Lorca (1898-1936) e Millôr Fernandes. Combinação assim, por influência e paixão, não é de surpreender que religião, política e família sejam pratos prediletos da boa dramaturgia popular e interiorana de Waldir de Luna Carneiro. E é pelo amor ao palco, ligação com sua gente, sentido moral de suas comédias e vontade de participar nos dilemas de seu tempo que o dramaturgo mineiro merece o apelido de Shakespeare de Alfenas. Para gente como eles, a realidade é o palco do mundo e teatro é o outro nome da vida.

Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 20/6/10
Foto: Henrique Higino, de Alfenas


A boa idade

Por Waldir de Luna Carneiro

Há 113 nos, o médico italiano Paulo Mantegazza, era dos autores mais lidos de seu tempo e entre suas 21 obras destacava-se O elogio da velhice. Na época não se falava em "terceira idade" e quando ele anunciou um elogio à velhice acharam que era para satirizar, como fez Erasmo com a loucura. Não acreditaram que tal pudesse ser feito. Elogiar a idade da surdez, da debilidade, em que todo o dia aparece um desconforto? Ele se defendeu argumentando que a velhice não é mais que uma fase da vida normal, fisiológica, perfeita e tão necessária como todas as outras idades. Se não há dia sem o crepúsculo da tarde, não há vida perfeita sem a velhice. "Leiam a Bíblia – escreveu ele – e lá se encontram, em muitas páginas, a glorificação da velhice: no Eclesiastes, no Levítico em Jó e nos Provérbios.

Há quem pinte a velhice como uma grande desventura, um fardo molesto, uma verdadeira doença; outros a usam para gracejar, como faz o criador da Mafalda, Quino, que faz dos velhos os seus mais hilariantes desenhos e houve ainda quem comparasse a velhice com o casamento: todos desejam, mas quando alcançam se entristecem. Aristóteles, por sua vez, dizia que se há velhos incrédulos foi porque vivendo muito pecaram demais.

Felizmente já não se pinta mais a velhice como uma grande desventura, como antigamente escrevia Menandro, o comediógrafo grego, que a chamava de "fardo molesto", e Terêncio, o poeta satírico latino, considerando-a uma verdadeira doença. A velhice hoje chega a ser, "a boa idade," bastando lembrar Bernard Shaw escrevendo uma das mais importantes obras beirando os 90; o artista plástico Marc Chagall, que chegou ao auge aos 74: Bertrand Russel, aos 88 participando da cruzada pelo desarmamento nuclear, o mesmo fazendo Albert Schweitzer à causa da paz. Victor Hugo, aos 8l, defendia os republicanos. Franz Liszt começou a compor suas obras mais impressionantes beirando os 70, para não citar Verdi, que depois dos 80 deu-nos uma vibrante comédia, plena de vida: Falstaff. Claude Monet pintando aos 87; Nadia Boulanger lecionando música aos 88 e, mais recentemente, Bob Hope, que chegou aos l00. E entre nós, Oscar Niemeyer, trabalhando e vertendo talento aos mais de 100.

Num livro do cineasta Peter Bagdanovich encontramos uma frase de Orson Welles dirigida a John Ford: "O inimigo da vida é a meia idade. A juventude e a velhice é que são as grandes fases da vida. Nós precisamos dar valor à velhice, de atuar na velhice em vez de mandá-la passear."

E bem disse o nosso Ariano Suassuna: são muitas as boas idades e esse negócio de "terceira" não pega bem, só serve para fruta: verde, madura e podre.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu caro! Posso publicar seu texto no meu jornal? Eu cito a fonte, ok? Abraço. Carlos Romero
carlos@takefive.ppg.br

PS: chama Empório e o sr. Waldir assina...