Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 29 de maio de 2010

A casa da mãe morta (5)

Naquele lar estranho, Larissa tomou café e experimentou o bolo com gosto de saudade. O sabor do fubá fez com que ela se lembrasse da avó, mãe de criação, morta em Divinópolis. Pensou que poderia não ser tão ruim passar uns tempos com Beatriz, a mãe biológica. No entanto, ao avesso, havia uma força quase incontrolável que não a deixava sentir-se à vontade na casa da mulher que a abandonou há 18 anos.

Quando Beatriz, menor de idade ainda, deixou a pequena Larissa com a mãe, no interior, pensava apenas em dar vida melhor à garota. Em Belo Horizonte, sozinha, comeu o pão que o diabo amassou para dar a volta por cima. Foi doméstica, balconista de lanchonete, arrumadeira de hotel e cozinheira. Também trabalhou como sacoleira. Nos últimos anos conseguiu abrir pequena loja de roupas no Barro Preto.

Dinheirinho contado no banco, Beatriz conseguiu dar entrada em apartamento no Bairro Aparecida. Sonhou muito em levar a mãe, dona Mercedes, e a filha, Larissa – que viviam de aluguel em Divinópolis – para morar com ela na capital. Por razões que até mesmo o céu desconhece, dona Mercedes não viveu para realizar o sonho da filha. Beatriz chegou a pensar que Larissa jamais viveria com ela, tamanho abismo havia entre as duas. Mas a moça cedeu e estava ali, na sala, de xícara na mão e broa entre os dentes.

Beatriz voltou do quarto trazendo presente guardado há muitos anos. “Tá comigo há muito tempo, mas queria dar a você num dia assim, como hoje. Abre. É seu”. Larissa fez cerimônia. Por fim, abriu o pequeno embrulho como quem tem curiosidade, simplesmente: uma gargantilha em ouro, de preço e bom gosto.

– Obrigada.
– Deixa eu colocar em você.
– Não precisa. Eu coloco depois.
– Só queria ver como ia ficar...
– É de ouro?
– É. Quando comprei, levei uma amiga que sabe tudo de ouro só para ter certeza de que era mesmo de ouro.
– Legal.
– Eu ajudo... depois você tira.

Beatriz tinha as mãos até trêmulas ao enganchar a gargantilha no pescoço da filha. A menina não conseguia disfarçar o desconforto. “Que linda... Vou buscar um espelho para você ver como ficou”, disse, seguindo em direção ao corredor. Larissa se levantou para tentar ver-se refletida na janela. Com os dedos na jóia, mexia-se em busca do melhor ângulo. “Tá aqui. Olhe só como foi feita pra você, Larissa”. A menina através do espelho não pareceu gostar do que viu. Respirou tão profundo que pôde ouvir encher-se de si mesma. Embargada, decidiu dizer tudo o que lhe assombrou os anos.

(Continua no próximo sábado)
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 29/5/10

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