Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 21 de novembro de 2009

O amor e o seu duplo

Há quem pense amar duplamente, assim, por quase nada: um sorriso, um encontro casual. O Andrés, 34 anos, vendedor, sabe bem dos efeitos do que é fugaz. Quando estacionou o carro na pracinha da pequena cidade do Norte de Minas, à tardinha, depois de horas de estrada e de comércio na região, não imaginou sorte tão estranha. Estômago nas costas, entrou na única pizzaria do lugar. Queria mandar ver marguerita do tamanho da fome.

Numa mesa de canto, sozinha, Manuela fazia dançar pedras de gelo com o dedo no copo lagoinha. No prato, fatia fria intocada. Conversado, Andrés puxou assunto:

– Manuela?
– A gente se conhece?
– Mais ou menos. Da última vez que tive aqui tentei vender umas sandálias na sua loja. Mas você já tinha estoque e pediu para que eu voltasse outro dia.
– Ah... Mas isso faz muito tempo...
– Dois anos.

Bastou para que os dois fechassem o estabelecimento e varassem madrugada no banco da praça. Conversando, apenas. Ela falou sobre o vazio provocado pelo fim de compromisso sério. Ele pensou novo amor, seduzido pelo cheiro e pelo sorriso da bela mulher, de 29 anos. Aliás, 30. Completos ali, no coreto. “Decidi fazer uma festinha hoje, no clube, para enterrar o passado. Ficaria feliz se você fosse”, ela convidou. “Claro!”, ele respondeu. Enamorados, despediram-se, com a lua pela metade, com certo ar de futuro.

No hotel, na beira da estrada, o viajante não conseguiu pregar o olho. A luz subiu rápido e descortinou sábado de céu limpo, de azul raro. Andrés saiu cedo e percorreu o centro, em busca de roupa nova. Distribuiu mercadoria e fez bom negócio. Desligou o celular e tirou a tardinha de descanso. Dormiu sono perturbado pelo sorriso de Manuela. Chegou a sentir no travesseiro o cheiro da nativa. Sonhou perdido, excitado, como havia muito não sonhava. Acordou já era a hora, num susto, suando bicas. Banhou-se para lavar o pensamento. Longe, em Betim. Vestiu-se com elegância, como em dia de cerimônia.

No carro, na porta do clube, decidiu falar em casa antes de entrar e deixar para trás o telefone. Do outro lado da linha, a voz preocupada: “Amor, tentei falar com você a tarde toda. A Laurinha teve outra convulsão. Já está bem, mas a médica achou melhor ela ficar no hospital até amanhã. Quando você volta?”, perguntou a mulher companheira.

Andrés voltou logo, sem se despedir ou presentear Manuela.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 21 de novembro de 2009

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