Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 8 de abril de 2013

O castigo do Francisco

Dois irmãos, únicos. Filhos de dona Dejanira com sujeito sem importância. Um, Joaquim, de 27, acaba de voltar dos Estados Unidos, às pressas, pela pouca sorte da família. Há três anos o caçula ganhava a vida como copeiro em Nova York. O outro, Francisco, de 41, o Chico, está preso. Condenado a sete anos por tráfico de drogas. Começou vendendo cachaça de fusquinha laranja, acabou distribuindo pó com jipão importado. A condenação do filho predileto foi golpe duro demais para a cozinheira. Dejanira teve piripaque de tristeza e passou maus bocados, vítima de acidente vascular cerebral, em CTI de hospital público de Belo Horizonte.

Do aeroporto internacional de Confins, de mala e tudo, Joaquim foi direto para o hospital. Implorou ao chefe de plantão para entrar e ver a mãe, ainda que fora de hora. O bom homem careca, de olhos verdes, solidário ao drama do rapaz, quebrou o protocolo. A mãe sorriu com os olhos e, grogue, com o canto seco da boca, balbuciou o nome do filho preso: “Chico... Chico...” E tome lágrima de matar o coração. Joaquim prendeu o choro e deixou o hospital. Passou em casa na Região de Venda Nova para deixar as malas. Lá, pelos vizinhos, soube melhor das trapalhadas do irmão sem juízo.

Orientado por conhecido, Joaquim se cadastrou para poder ver o parente. Enquanto aguardava parecer para entrar no presídio, teve que enterrar a mãe. Na noite em que o filho caçula voltou dos EUA, Dona Dejanira teve duas paradas cardíacas seguidas e não resistiu. Outro bom doutor foi quem ouviu o último suspiro triste da cozinheira: “Chico”. Coube ao copeiro dar a notícia da morte da mãe ao irmão condenado. Diante do sujeito, o silêncio mais doído de duas vidas. Foi Chico quem puxou assunto qualquer para despistar o desespero e a vergonha.

– Tava com saudades de você, Kim. Tá gordo, chique, até com cara de rico. (pausa) Ainda bem que você veio. Liguei pra pedir sua ajuda só pra segurar a barra com a mãe. Só até eu sair daqui.

– Cara, olha só a merda que você fez. Que você andava perdido todo mundo sabia... que vivia preso por não pagar a pensão dos meninos, disso eu fiquei sabendo lá... mas virar traficante? Que merda você tem na cabeça?

– Vai esculachar? Até você veio aqui pra me dar lição de moral? (pausa) A mãe é sua também. Quando você decidiu tentar a vida nos Estados Unidos, eu dei a maior força... quem ficou aqui, morando com ela fui eu. Agora, tô ferrado. Só isso.

– Ferrado e levando todo mundo com você... você sabe o que os seus filhos estão sentindo? Ontem, eu tive com o André e ele disse que você tá morto pra ele. Sabe porque? Não é porque você tá aqui não... é porque tem três anos que você não dá um telefonema pra saber se ele tá vivo.

– Não se mete na minha vida. Você só tem que cuidar da mãe até eu ajeitar as coisas.

– A mãe morreu. Tem três dias. Desgosto. A última coisa que ela disse foi o seu nome.

Silêncio de morte entre os dois. Joaquim respira fundo e sai de cena. Chico, o condenado, mergulha a cabeça entre as mãos como o mais perdido dos mortais.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

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