Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 30 de abril de 2012

A mulher do capeta


Fala-se muito no diabo. Mas pior que o coisa ruim é a mulher dele. Quem já viu de perto sabe bem da flor que não se cheira e se repete - de tempos em tempos nasce uma praga disfarçada de rosa. São do tipo que, nos assaltos, atiram sem dó, com a vítima rendida. E no final do século 20, num redemoinho na Região Hospitalar de Belo Horizonte, nascia Demolina. Feia não tinha a cara da maldade. No entanto, os mais antigos percebiam sem demora, no fundo do olho em trevas, tratar-se do cão chupando manga. 

A mãe, coitada, nada teve a ver com a semente do mal. Embarrigou-se do vento em noite de bebedeira. Logo depois do parto, a pobre mulher teve o ventre seco e morreu de colapso sem explicação. Findou-se, simplesmente, no dia em que trouxe à luz a pequena diaba. Indigente, sem pai ou qualquer parente presente, Demolina foi parar no colo de assistente social, cinquentona viúva, solitária, cheia de boa intenção. A mulher, Iracema, até que teve dúvida. Por fim, não resistiu e tomou para si o mal em corpo de criança.

Adormecida, a fêmea do capeta cresceu na criança até o corpo feito de mulher. No aniversário de 18 anos, a menina comum se transformou da noite para o dia. Dona Iracema, a mãe adotiva, soube logo pela manhã a falta de coração da sujeita. Do nada, como o ventre seco da progenitora morta, a assistente social sentiu aperto no peito que fez arder a alma. Mesa posta para duas, como de costume: pão e frutas em toalha bordada à mão. Ali, Demolina fulminou Iracema: infarto. A mulher definhou sem a menor atitude da filha de criação.

Herdeira da casa e de todos os pertences da viúva, Demolina tratou enterro barato e botou tudo fora pelo dinheiro que apareceu, vindo das mãos de enviado de irmão de dona Iracema. Um tio distante, pastor, que nunca se enganou com a figura. Logo que a irmã apresentou a menina à família, Agenor foi quem disse na lata: “Besteira. Isso aí não presta”. O homem juntou esposa, filha recém-nascida e sumiu rumo ao Espírito Santo. “Não vamos ficar por perto para ver crescer a desgraça”, foi como se despediu da irmã.

Iracema sepultada, Demolina ajeitou mudança e fez de inferninho casa velha no Bairro Floresta. Lá, indecente, por seis meses, acabou com a vida de todo sujeito casado que encontrou pela frente - chegou a enterrar dois no fundo do quintal. A  diaba saiu do armário e decidiu também ferrar as moças. Virou ao avesso o quadril de ao menos uma dúzia das mais fracas. Até que, por obra do destino, se engraçou com a filha do tio pastor. A menina tinha acabado de chegar do Espírito Santo para estudar medicina. Quando soube, Agenor não titubeou: comprou 38 na Grande Vitória e descarregou tambor na mulher do capeta.

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