Dois casais, quatro amigos inseparáveis: Pedro e Cristina; Roberto e Maria. Todos na casa dos 30. O mais velho, Roberto, comemorou 34 em janeiro, com festinha mínima, reservada, para quatro. Jantarzinho em Rio Acima: vinho, massa e muita gargalhada. Entre as duas duplas era sempre assim onde estivessem. Quem os vê agora, mudos, no automóvel, não saberia reconhecer a amizade inabalável. Pelos olhares perdidos estrada adentro, no caminho de volta, nada será como antes depois do carnaval em Cabo Frio. Pedro, ao volante, tem o pensamento no infinito. Sua mulher, Cristina, com a cabeça no encosto do banco, acordada, mantém os olhos fechados. Já o casal no banco de trás, de braços cruzados, é só paisagem: Roberto e Maria só queriam saber das janelas. Na atmosfera do Doblô negro, culpa e arrependimento. Em parte.
Os quatro – não podia ser diferente – com a cabeça no daqui para frente. O feriadão foi definitivo para dois casamentos. Dias intensos de muita carne e muita birita na Praia do Forte. Quem organizou tudo foi a Cristina. Alugou o apê e rateou as despesas. Na sexta-feira, logo depois do trabalho, encararam a estrada. Pedreira: viagem longa, tensa, 12 horas. Parecia o mundo seguindo para a Região dos Lagos. Juntos, Pedro e Cristina, Roberto e Maria nem viram o tempo passar. Curtiram cada quilômetro vencido com muita disposição. Brincaram de adedanha até – aquela bobagem de contar uma letra nos dedos das mãos e gastar sabedoria com os nomes das coisas. Cristina, por exemplo, viajada, arrasou nas cidades começadas por W. Quando o assunto era carro, só dava o Pedro, há tempos colecionador de miniaturas.
O apartamento, um aconchego só. “Intuição de mulher”, respondeu Cristina ao receber elogio geral pela escolha do imóvel em classificado do Estado de Minas. O quarteto estava mesmo precisado de um descanso. O ano começou bravo, cheio de trabalho. Desde o verão de 2008 os dois casais não sentiam o cheiro do mar. Apesar da chuva, até a noite de terça-feira tudo nos trinques, sem grandes extravagâncias. Mas, amizade e golo demais nas ideias, os quatro decidiram fazer festinha de despedida. Não se sabe ao certo quem começou, mas o som trance quem colocou foi a Maria, avessa ao funk e à música da Bahia. O batidão psicodélico, misturado aos drinques coloridos, preparados pelo Pedro, foi combinação explosiva. Daí, troca de casais, a portas fechadas. Loucura até o raiar da quarta-feira de cinzas.
Pela manhã, dia de retorno, ninguém deu conta de fingir amnésia. Era puro silêncio. Nem um oi, tampouco um olá. Estampada em cada um a travessura na madrugada. Enquanto ajeitavam as malas e davam geral no imóvel, só a chuva e o mar a conversar lá fora. Olhares do quatrilho enviesados, apenas pelo ajeitar do incorrigível. Na estrada, nem tudo era o caminho da volta para dois.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 14/3/11
Um comentário:
Bonita esta história, Jefferson. Mas ainda é um tabu que eu vou lhe dizer uma coisa: nem sequer tenho uma opinião acerca de apoiar ou recriminar ou ainda deixar pra lá. É uma coisa que a gente ficaria pensando no depois, se é possível retomar a vida como se tudo fosse como antes. Mas fiquemos no elogio do conto. Abraço grande. Paz e bem.
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