O Almeida, casado, vivia de ser quem não era. Talvez por medo das amantes interesseiras, talvez por canalhice simplesmente. Era homem de pouca fé e muitos disfarces. Dono de construtora bacana, dessas que sobem arranha-céus, aos montes, em Belo Horizonte. Em coisa de 15 anos reuniu patrimônio de fazer inveja aos gênios da computação. Quarentão descolado, amador, amava as mentiras de luxo que só o teatro sabe contar. Aprendeu a construir personagens em curso livre, no Núcleo de Estudos Teatrais (NET), só para se dar bem com as mulheres. Sua melhor interpretação era a de pobre. Verdade. Tinha até casa simples, montada para dar mais naturalidade e mais realismo ao papel. Apartamentinho de 50 metros quadrados, mobiliado, com vaga presa, no Bairro Nova Gameleira. Uma singeleza.
Também fazia-se passar por advogado, médico, jornalista, produtor de moda e capitão de polícia. Mas nada superava o Almeida operador de telemarketing. Escolheu para pobre ser operador de telemarketing porque se tratava de profissional do bem, muito trabalhador e injustiçado pelo povo mal-amado, de pouca educação ou nenhuma paciência. No fundo – tamanha verdade emprestada ao personagem –, o Almeida tinha tudo para se dar bem na profissão. Era sua melhor performance. Tanto que a deixava para as ocasiões mais especiais. Os passeios em Piúma e Guarapari, por exemplo. No verão, desde 2006, lá estava ele desfilando com seu veículo popular, com som nas alturas, pelas praias capixabas. A mulher e os filhos, claro, ele mandava para o exterior: Punta Cana, Nova York e Paris.
No estacionamento da mansão onde morava, no alto da Avenida Afonso Pena, com a patroa e os filhos, coleção de importados de luxo. Já na vaga presa do Nova Gameleira, um 1.0 prateado, financiado em 60 meses. Parcelado porque o Almeida, de tanto que levava a sério esse lance de personagem, queria experimentar o desgosto de pagar a bagaça em cinco anos. Certa vez, ano passado, até atrasou três prestações só para ter o dissabor de ter um oficial de Justiça na cola. Sem noção o Almeida. Nas suas criações, em honra ao pai falecido, só não inventava sobrenome. Era sempre Almeida: Wilmar; Maurício; Lucas; Douglas; Roberval e Sinésio. O pobre, o Almeida batizou de Cleomar. Incorporado, explicava: “É uma homenagem aos meus avós. Uma combinação de Cleonice com Valdemar: Cleomar”.
E o Cleomar – incrível –, pobre, fazia um sucesso da peste com a mulherada. A figura beirava a perfeição. Até perfume de pobre o camarada usava. Bom e barato. Um tal Ladro que ele descobriu com um dos motoristas da sua construtora. E foi o cheiro do Ladro que deu a ele sua maior conquista: Janira. Uma balconista evangélica que ele conheceu fazendo compras no shopping popular. Levou-a ao ponto de ônibus porque ela não aceitou carona: “Não posso aceitar. Mas se você quiser, domingo tem culto. Aparece lá no templo”, convidou. Bastou a postura da Janira para o Almeida perder o rumo. Domingo pela manhã, lá estava o Cleomar no culto, ao lado da moça. Deixou 10% de pobre na sacola do pastor e nunca mais voltou para a mansão do Mangabeiras.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 28/3/11
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