Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

domingo, 2 de junho de 2013

“Victoria, 27, para homens exigentes”

Mais uma moça de vida nada fácil para a coleção de nomes do setentão Vicente Bueno Cantareira. Hoje, “Victoria”. Escolhida a dedo nos classificados relax. Como “Vicente”, o coronel reformado da Polícia Militar, “Victoria” significa quem vence. A cada novo encontro, maior o gosto do viúvo sem filhos pelas meninas de aluguel. O encontro pago, semanal, excitava-o na alma. Chef de cozinha amador, Cantareira havia encontrado companhia perfeita, sem compromisso, para seus experimentos gastronômicos. Victoria, loura e linda, se atrasou. Trinta minutos. O interfone anuncia:

- Victoria.
- Está atrasada.
- Perdi a hora, bem. Abre.

Vicente não quis deixar a mulher falando alto na rua. Destrancou a portaria e esperou-a com expressão de pouca amizade. A gostosona, profissional, não parecia ser do tipo disposto a perder a pose. Porta aberta, ela, dona do pedaço, ganha a cena.

- Fica nervoso não, bem. Stresse dá ferida no estômago. Vou compensar o atraso pra você não se arrepender. Se não ficar satisfeito te dou um “vale outra vez”.

Vicente vai até a cozinha buscar a garrafa de vinho. Victoria se mostra à vontade no cômodo. Senta-se à mesa e tenta decifrar o velho e o ambiente. O velho percebe o olho esquerdo roxo debaixo da maquiagem carregada.

- Seu olho. Alguém machucou você?
- Isso é olheira, bem. Coisa de quem trabalha na noite.

Longa pausa da mentira. Os dois trocam olhares. Vicente serve a bebida. Victoria repousa o queixo sobre a mão direita e faz charme.

- Você enxerga bem pra sua idade, hein!? Caprichei tanto na base… jurava que ia passar batida. Gosto de homem que repara. Tive um namorado que eu podia pintar o cabelo de rosa, vermelho e amarelo… ele nem notava.
- Conheço bem essas olheiras que aparecem num olho só. Trabalhei muito nas ruas, à noite, e conheci muitas moças como você, Victoria… assim… com essas olheiras.

A mulher muda de assunto.

- Meu padrinho mora num apartamento desse estilo… lá em São Paulo. Da janela do quarto dele dá pra ver um parque lindo. Daqui também tem um visual legal?

- Se você gosta de carro e de asfalto, vai poder apreciar um visual bem interessante de qualquer canto da casa.

Vicente traz a comida, enquanto Victoria vai até a janela. Ela volta à mesa e devora com gosto o risoto de arroz preto com costeletas de porco. O velho mantém firme o olhar no olho machucado da moça. Com habilidade, ele volta ao assunto:

- Tenho um amigo, sujeito bom, correto e boa praça, que é especialista no assunto.
- Que assunto, bem?
- Nas olheiras como essa aí. Você pode procurá-lo em meu nome… ele vai fazer o melhor pra você… de graça.
- Ele é médico?
- Não. É policial. Vai dar jeito em quem fez isso com você… e também deixou essas marcas no seu braço.

Cantareira escreve o nome do amigo e o telefone num pedaço de papel e entrega a mulher. O resto foi só silêncio. Ao fim do jantar, Vicente sacou a carteira e entregou os R$ 300 pelo programa. Foi até a estante e buscou a câmera polaroide.

- Você se importa?

Com a cabeça, ela diz que não. Ele faz a foto.

- Posso saber o seu nome… o de verdade, menina?

Ela pensa por instantes. Resolve dizer, sem filtros ou preocupações.

- Lucimara.
- Obrigado.

Ele a companha até a porta. Ela vai embora. O velho volta à mesa, retira a caneta do paletó e escreve “Lucimara” atrás da imagem de expressão fechada, quase melancólica. Vai até o corredor e, num mural, na parede, ajeita a fotografia entre outras tantas de sua coleção.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

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