Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

domingo, 23 de junho de 2013

“Mikaela, 23: use sem moderação”


Vicente Cantareira, o velho coronel, estava pronto para receber Mikaela. O programa combinado pela manhã para às 19h prometia: “Mikaela, 23: use sem moderação”, vendia a coluna dos classificados do jornal. O homem solitário, colecionador de encontros com as meninas de aluguel, às segundas-feiras, estava decidido a quebrar a rotina. Além do jantar e da dança, talvez, uns carinhos para relembrar os tempos de amor com a mulher companheira. No fogão, pronto para a mesa, Tonnarelli Al Nero Di Seppia com Camarão. O interfone berrou às 19h25.

- Mikaela.

Sistemático, Vicente não costumava tolerar atrasos. Chegou a mandar voltar meninas por 15 minutos. Naquela noite estava de bom humor e ficou bastante encantado com a bela das pernas grossas e dos olhos profundos. Mikaela se explicou.

- A cidade está um caos. Manifestação. Parece que vai ter revolução.
- Já não era sem tempo.
- Desculpa o atraso.

Cantareira a recebeu com a elegância dos homens bons. Setentão, conservado e bem disposto, o viúvo estava feliz com a encomenda. Enquanto Mikaela tomava conta do lugar, Cantareira ajeitou a mesa para o jantar. Ele queria conversa.

- Você estava na manifestação?
- Tá doido?
- Por que? Você não iria para as ruas para exigir mudanças?
- E adianta? Prefiro ficar na minha e fazer a minha parte.
- E qual é a sua parte, Mikaela?
- Ah… ser honesta, não matar nem roubar… essas coisas.
- Está certo. E votar? Você procura conhecer bem os seus candidatos?
- Eu até que tento, mas ninguém conhece ninguém, né!? A pessoa pode ser boa, ter propostas, mas quando chega lá, acaba virando bandido. É triste.
- Verdade.

Mesa posta. É hora de mandar ver o vinho e a massa com camarão. Mikaela provou com paladar de especialista. E comentou:

- Faltou um pouco mais de conhaque. Ia equilibrar mais o gosto do parmesão.
- Não sabia que receberia na minha casa uma chef de cozinha.
- Gosto de cozinhar. Mas, não tá ruim não. Tá muito bom, de verdade. O comentário do conhaque foi só um toque.
- Você tem razão. Teria ficado um pouco melhor com um pouquinho mais de conhaque.
- Você mora sozinho?

Pratos limpos, Vicente foi até o aparelho de som para colocar bolero dos tempos de casado. Convidou a moça para trocar os passos e sorriu feliz ao tê-la em seus braços. Dançaram felizes, como velhos amigos. Mikaela sorriu divertida e tirou sarro com o cliente. Usou e abusou da boa carne colada ao corpo do sujeito da cabeça prateada. Fim da dança e do programa. Vicente agradeceu e pagou o combinado pelo encontro.

- Foi grande prazer, Mikaela. Posso fazer uma foto sua?
- Já? Pensei que você fosse me convidar para ficar até amanhã…
- Por hoje me basta, menina.

O velho buscou a câmera polaroide, fotografou a mulher e acompanhou-a até a porta. Ela sorriu e sugeriu novo encontro:

- Dá próxima vez, posso cozinhar para nós dois.
- Vamos combinar isso.

Mikaela ganhou o corredor. Cantareira, feliz, fixou a menina na parede de memórias.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

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