Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O repuxo do Zé Esteves


Depois que a esposa se foi, o aposentado Zé Esteves, de 72 anos, doído de amor, não quis mais saber de mulher. Foram quatro décadas de união, dormindo junto, de “conchinha” por todas as noites de vida conjugal com a Filermina. No entanto, Zé Esteves de santo nada tinha. Fora do casamento, o sujeito passou quase 40 anos enrabichado com outras tantas de perder a conta. “Sexo apenas!”, dizia para si mesmo. “Amor só com a Filermina!”.

O fato é que, diante do caixão em flor da companheira a descer à cova, Zé Esteves foi abatido por dor descomunal na consciência. Ali, no Cemitério Bonfim, sob chuva fina e raios a trincar o céu, o traíra caiu de joelhos entre familiares e amigos e jurou com as mãos para o céu: “Nunca mais, Filermina! Nunca mais!”. Daquele fim de tarde em diante, findou-se o apetite sexual do Zé. Nenhum sinal de vida na parte baixa.

Nem quando quis muito, para uma esticadinha besta, solitária, com revista de ex-BBB nas mãos, o sexo reagiu. Nada. Tentou até um “avatar” – espécie de pilulazinha azul, genérica, comprada na mão de um amigo caminhoneiro. Um fiasco. Viúvo já fazia ano, de flerte com nova inquilina periguete, moradora do barracão de fundos, Zé Esteves, aos 72 anos, resolveu procurar um médico para saber da gravidade do assunto.

– Então, doutor… é grave?
– Ok. Tudo ok com os exames, seu Zé…
– Mas…
– Está na sua cabeça… é psicológico. Tome isso… um por dia.

De posse do placebo, Zé Esteves saiu sem rumo, distraído, dirigindo seu opalão e, quando se deu conta, estava no Bairro Bonfim, bem de frente ao cemitério. “Eu hein!?”, pensou pelo mistério do ocorrido. Pensou, pensou e decidiu visitar o túmulo de Filermina. Estacionou a raridade branca 1974 e percorreu quilômetro entre os mortos sob o sol poente. Diante do mausoléu da família, em prece, pediu uma forcinha para a ex-companheira.

E assim, vez por outra, passou a sentir uns repuxos para a farra da solidão. 

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 4/6/12

Nenhum comentário: