Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 18 de junho de 2012

O amor na ponta dos dedos



O homem saiu mais cedo do trabalho e passou no shopping para comprar presente para a mulher, mãe de seus filhos, companheira de vinte e tantos anos. Gravata frouxa, olhou daqui, dali, e percorreu as lojas chiques do centro comercial mais badalado da Região Centro-Sul de Belo Horizonte.

Com o casamento em crise, queria algo diferente. Nada de eletrodoméstico, roupas ou perfumarias, como de costume. Joia, então, nem pensar. A mulher não usava. Era daquelas raras que achavam um grandissíssimo desperdício o tal penduricalho brilhante. Rodou, rodou e, por fim, o sujeito, advogado de carreira, entrou em loja de lingeries.

Com a ajuda da balconista, escolheu o que havia de mais bonito no estabelecimento. Ele jamais havia comprado uma peça íntima para a mulher, embora desaprovasse todas as roupinhas sem graça que ela usava para dormir. “Um cartão”, pensou baixinho. Desde os tempos de namoro, o doutor não escrevia letra qualquer para a parceira.

Na papelaria, na seção dos bilhetes melosos, o cinquentão se viu lado a lado com garoto de pouco mais de metro, 8 anos, cabelinho partido ao meio, óculos quadrado e em mangas de camisa. O menino lia os cartões, deixando soltar um pouco da voz, com cuidado de chamar a atenção. O advogado puxou assunto:

– Para a namorada?
– Mais ou menos. É pra Renatinha, minha vizinha.
– Ah... e você achou algum cartão... bacana?
– Não. Tá tudo muito fraco. Tudo repetido. Olha só... Não tem emoção. Tem que ser o que a gente sente de verdade. Tô pensando... acho que vou escrever uma cartinha mesmo... porque ela é muito legal. Você devia fazer isso também, moço. Tchau!

E o garoto, correndo, catou a mão da mãe na porta da livraria e partiu. De longe, ainda sorriu para o estranho, que, bastante tocado, decidiu ouvir a inspiração. Abatido por sentimento ainda maior pela mulher, o homem pensou poesia. Pagou papel pautado e deixou vontade particular recomeçar o amor na ponta dos dedos.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 18/6/12

Nenhum comentário: