Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 30 de maio de 2009

Uma rua chamada solidão (6)

"Agora, o negócio é dar a volta por cima. De preferência em cima de quem tem dinheiro. Porque em cima de pobre é só doença, criança e aborrecimento"




Dorinha tanto fez que convenceu João a se hospedar em seu apartamento, no Edifício JK. O taxista da vez amarrou a cara quando, na rodoviária, ouviu “Praça Raul Soares” da boca carnuda da cantora da noite. Animada com a presença do novo amigo capixaba, a mulher ainda fez graça com o motorista: “Se fingir que tá satisfeito ganha gorjeta pra compensar a corrida pequena”. João não ouviu o resmungo do rabuja. Estava entretido com a Avenida Paraná pela janela. “Pode encostar no posto de gasolina, fofo”, disse Dorinha, que, já com o trocado na mão, não permitiu que seu convidado, conhecido no ônibus, abrisse a carteira.

Distantes do Barro Preto, Maria e Claudete andavam rumo à estação do metrô no Bairro São Gabriel. Claudete, pensando no bem da amiga, falava como quem conhece a vida: “Eu sei que é duro, mas você consegue sair dessa tristeza. Na sua idade, com vinte e poucos, nem dente eu tinha. Não tinha nada. Já tinha me deitado com a metade dos vagabundos do Rio. E olha que no Rio o que mais tem é vagabundo. Por isso que não volto mais lá. Aqui também tem gente que não presta. Todo lugar tem. (Segura Maria pelo braço) Cuidado com o cocô. Olha onde pisa, menina! (Volta ao assunto) Você tá viva, não tá!? Então. Agora, o negócio é dar a volta por cima. De preferência em cima de quem tem dinheiro. Porque em cima de pobre é só doença, criança e aborrecimento. Você é nova. Faz assim: você fica na Guaicurus por um tempo, junta um dindim, faz umas fotos, põe num site e vai estudar”.

João já começava a desconfiar da generosidade de Dorinha, quando ela explicou por que eles estavam sentados na praça com as malas no colo, às 7h daquela manhã fria: “Gato, a gente vai ter que esperar a Valdirene chegar. Ela já me mandou uma mensagem pelo celular dizendo que vem às 8h. Moro sozinha, mas como passei uma semana lá em Ponte Nova, deixei a minha chave com essa amiga, que trabalha naquele prédio ali, para ela tomar conta do Raul. Eu te falei do Raul? É o meu schnauzer. Sabe? Schnauzer? Aquele cachorro fofo, que tem um cavanhaque? O nome do meu é Raul porque ele é a cara do cantor, o Raul Seixas. Conhece? Ganhei do meu ex-namorado. Ele foi embora e ficou o Raul”.

Maria, no vagão abarrotado do metrô, de pé, nem viu o trajeto passar. Na cabeça, ainda se fazia ferroada o efeito da cachaça barata da noite passada. Na companhia de Claudete, desceu na Estação Lagoinha e seguiu para o hotel de trabalho, com quarto pago adiantado pelo mês. Logo na entrada, colega de carreira deu notícia: “Já ficaram sabendo? Fulana morreu. Ontem. No quarto. Onde vocês estavam? Parece que um noiado, depois do programa, quis roubar ela. Aí a fulana reagiu e o brocha enfiou a faca no bucho dela”. Claudete apenas lamentou a morte da conhecida. Não rendeu o assunto. Passou o braço pelos ombros de Maria e, juntas, subiram as escadas.

Às 8h10, no JK, Valdirene abriu a kitinete para João e Dorinha. Raul latia desafinado.

(Continua no próximo sábado)
Jefferson da Fonseca Coutinho - Vida Bandida - 30 de maio de 2009

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito boa sua história, Vida Bandida. Só não entendi a citação que fez sobre o edificio JK. Como moradora gostaria de saber qual a relação do Jk com essa história.
o que vc quiz dizer afinal?