Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 6 de junho de 2009

Uma rua chamada solidão (7)

"A maioria das mulheres não compareceu naquela manhã. Claudete, carioca descolada, não se intimidou e, em lingerie comedida, palavra cruzada na mão, abriu o quarto e se deitou à espera da freguesia".




Às 8h10, no JK, Valdirene abriu a quitinete para João e Dorinha. Raul latiu e fez festa. As duas moças se abraçaram sinceras. A vendedora de roupas jogou charme para o jovem evangélico alinhado, de terno feito no corpo: “O belo é de Ponte Nova?”, perguntou. “É do Espírito Santo, vai ficar aqui em casa e já tem dona, Val. Veio buscar a namorada que está perdida em BH”, disse Dorinha. João sorriu tímido, meneando a cabeça. Foi até o janelão de vidro e ficou encantado com a vista do lugar. “Bonito aqui”, comentou. O pequeno apartamento, decorado com bom gosto, havia sido reformado recentemente. Papel de parede, violão, tapete vermelho, mesinha de madeira com quatro cadeiras, escrivaninha, computador e abajur lilás entre os sofás de couro refletiam o capricho da cantora da noite. “Ai, meu Deus! Tô atrasada! Muito prazer, fofo! Caso não encontre a namoradinha, tô na fila, hein!?” (risos), provocou Valdirene. “Vai, piriguete!”, rebateu Dorinha.


Emudecidas com a notícia da morte da puta esfaqueada, Maria e Claudete ganharam seus quartos no hotel dos homens sós. Nos corredores escuros, pouco movimento em função das viaturas estacionadas na rua. Apenas meia dúzia de portas abertas. A maioria das mulheres não compareceu naquela manhã. Claudete, carioca descolada, não se intimidou e, em lingerie comedida, palavra cruzada na mão, abriu o quarto e se deitou à espera da freguesia. Já Maria não teve pressa para se maquiar diante do espelho. Fez andar lento o lápis de olho e o batom vermelho por linhas de expressão. Cobriu as olheiras com corretivo vagabundo e vestiu roupinha sexy, guardada para a estreia em puteiro de Minas. “Polícia!”, anunciou o detetive do outro lado da fechadura. Nada a temer, Maria abriu a porta sem demora. “Preciso falar com a senhora”, disse o investigador.


João e Dorinha se conheciam melhor no aconchego do JK. “Sua voz é linda”, disse o capixaba ao ouvir a artista cantar e tocar Eu quero enfeitar você, de Vanessa da Mata. “Que bom que gostou. Tô mudando o repertório. Ainda não havia cantado essa música pra ninguém (pausa). Ah, que cabeça a minha… Você louco pra tomar banho e eu aqui alugando seu ouvido, né!? Vou pegar a toalha pra você”. João quis retribuir a gentileza: “Sinceramente, nem sei como agradecer a sua atenção. Não quero dar trabalho. Eu podia ter ficado num hotel, mas você me pareceu já tão conhecida que resolvi aceitar o convite”. “Hotel? Cê tá doido!? Você é meu hóspede. Se há uma coisa que eu sei fazer bem é receber as pessoas na minha casa. Tá no sangue. Na minha família todo mundo é assim. E, além do mais, o Raul gostou de você (risos). Olha só a carinha dele… Pois fique aqui o tempo que precisar. Deus promove os encontros… o resto é com a gente. Você vai reencontrar Maria. Vou pegar a toalha”.


Na Guaicurus, interrogatório: “No prédio ao lado, disseram que a senhora conhecia a fulana assassinada. Amigas ou colegas na vida?”


(Continua no próximo sábado)


Jefferson da Fonseca Coutinho - Vida Bandida - 6 de junho de 2009

Nenhum comentário: