Às 8h10, no JK, Valdirene abriu a quitinete para João e Dorinha. Raul latiu e fez festa. As duas moças se abraçaram sinceras. A vendedora de roupas jogou charme para o jovem evangélico alinhado, de terno feito no corpo: “O belo é de Ponte Nova?”, perguntou. “É do Espírito Santo, vai ficar aqui em casa e já tem dona, Val. Veio buscar a namorada que está perdida em BH”, disse Dorinha. João sorriu tímido, meneando a cabeça. Foi até o janelão de vidro e ficou encantado com a vista do lugar. “Bonito aqui”, comentou. O pequeno apartamento, decorado com bom gosto, havia sido reformado recentemente. Papel de parede, violão, tapete vermelho, mesinha de madeira com quatro cadeiras, escrivaninha, computador e abajur lilás entre os sofás de couro refletiam o capricho da cantora da noite. “Ai, meu Deus! Tô atrasada! Muito prazer, fofo! Caso não encontre a namoradinha, tô na fila, hein!?” (risos), provocou Valdirene. “Vai, piriguete!”, rebateu Dorinha.
Emudecidas com a notícia da morte da puta esfaqueada, Maria e Claudete ganharam seus quartos no hotel dos homens sós. Nos corredores escuros, pouco movimento em função das viaturas estacionadas na rua. Apenas meia dúzia de portas abertas. A maioria das mulheres não compareceu naquela manhã. Claudete, carioca descolada, não se intimidou e, em lingerie comedida, palavra cruzada na mão, abriu o quarto e se deitou à espera da freguesia. Já Maria não teve pressa para se maquiar diante do espelho. Fez andar lento o lápis de olho e o batom vermelho por linhas de expressão. Cobriu as olheiras com corretivo vagabundo e vestiu roupinha sexy, guardada para a estreia em puteiro de Minas. “Polícia!”, anunciou o detetive do outro lado da fechadura. Nada a temer, Maria abriu a porta sem demora. “Preciso falar com a senhora”, disse o investigador.
João e Dorinha se conheciam melhor no aconchego do JK. “Sua voz é linda”, disse o capixaba ao ouvir a artista cantar e tocar Eu quero enfeitar você, de Vanessa da Mata. “Que bom que gostou. Tô mudando o repertório. Ainda não havia cantado essa música pra ninguém (pausa). Ah, que cabeça a minha… Você louco pra tomar banho e eu aqui alugando seu ouvido, né!? Vou pegar a toalha pra você”. João quis retribuir a gentileza: “Sinceramente, nem sei como agradecer a sua atenção. Não quero dar trabalho. Eu podia ter ficado num hotel, mas você me pareceu já tão conhecida que resolvi aceitar o convite”. “Hotel? Cê tá doido!? Você é meu hóspede. Se há uma coisa que eu sei fazer bem é receber as pessoas na minha casa. Tá no sangue. Na minha família todo mundo é assim. E, além do mais, o Raul gostou de você (risos). Olha só a carinha dele… Pois fique aqui o tempo que precisar. Deus promove os encontros… o resto é com a gente. Você vai reencontrar Maria. Vou pegar a toalha”.
Na Guaicurus, interrogatório: “No prédio ao lado, disseram que a senhora conhecia a fulana assassinada. Amigas ou colegas na vida?”
(Continua no próximo sábado)
Jefferson da Fonseca Coutinho - Vida Bandida - 6 de junho de 2009
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