Na Guaicurus, no estabelecimento barato, enquanto Claudete, em lingerie comedida, porta aberta, fazia palavra cruzada à espera da freguesia, o agente Carvalini, acompanhado por seu assistente Leomar, interrogava Maria: "No prédio ao lado, disseram que a senhora conhecia a fulana assassinada. Amigas ou colegas na vida?" Segura, a mulher contou que havia chegado recentemente do Rio de Janeiro e que conhecia apenas Claudete, amiga de tempos passados. Não demorou para que o Bigode, administrador do hotel, entrasse no assunto: "A moça chegou ontem de manhã, saiu com a carioca e voltou não tem meia hora, detetive. Posso garantir que, aqui, nem para o café ela fez". Carvalini tinha a informação de que naquele quarto que dava para a rua trabalhava a melhor amiga da morta. "Com licença", disse o agente ao entrar na locação.
Claudete pressentiu a situação de Maria e decidiu ver como ela estava. "Mas o que é isso, Bigode?", quis saber ao cruzar o beco e ver os policiais vasculhando o quarto. "Carvalini, olha isso!", disse Leomar, também conhecido como "cachorro", pelo faro apurado para provas em suas assistências. Maria não soube explicar o que era aquela bolsa preta de náilon, com joias e R$ 20 mil em dinheiro, malocada em fundo falso da cama de alvenaria. "Isso não é dela, cara. Tenho certeza", defendeu Claudete, espantadíssima. "Não é minha. Nunca vi essa bolsa. Pelo amor de Deus, moço", mais uma vez, chorou Maria. "A senhora vai ter que me acompanhar", intimou Carvalini. "Sem algemas, cachorrão". Não se soube o porquê, durão em tudo o que é caso, o policial do Departamento de Crimes contra a Vida foi delicado naquela manhã. Parecia tocado pelo drama percebido na alma da jovem puta da Zona da Mata. Claudete e Bigode também foram no camburão para a delegacia.
Na quitinete do Edifício JK, João resistia aos encantos de Dorinha, cantora da noite. Banho tomado, terno realinhado no corpo, o jovem evangélico vindo do Espírito Santo, pronto para esquadrinhar a cidade, não sabia exatamente por onde começar a procurar Maria. A anfitriã, enrolada em toalha cor-de-rosa, voltou a oferecer auxílio: "Tem certeza de que não quer ajuda? Conheço muita gente. Belo Horizonte é um ovo, vai ver algum amigo meu conhece sua Maria". João não teve coragem de revelar detalhes de sua paixão. Não mentiu. Apenas desconversou. Gentil, Dorinha entendeu. "Faz assim: hoje, não vou sair porque preciso terminar o repertório para o show de amanhã. Você pode levar a chave. Faz uma cópia e fica com ela. Você vem para jantar?" João disse que sim. Beijou-a na testa, carinhou as barbas do schnauzer e deixou o arranha-céu de vidro. Antes de seguir rumo a puteiro qualquer, passou em igreja para falar com Deus.
No IML, o cadáver da assassinada, perfurado à faca, aguardava identificação. Documentos falsos, fulana não deixou amigos ou parentes para reclamar o corpo. Apenas uma pista: Sininha, puta foragida, ex-ocupante do quarto de Maria.
(Continua no próximo sábado)
Jefferson da Fonseca Coutinho - Vida Bandida - 13 de junho de 2009
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