Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O poder da criação

Livro reúne depoimentos de autores das mais populares produções da Globo nos últimos tempos. Importância cultural da telenovela será debatida esta noite, no Palácio das Artes





“O espectador brasileiro é muito inteligente e sagaz, sabe que novela é ficção. É mentira dizer que fulano vai virar homossexual por causa do personagem da novela, ou que beltrano vai usar droga porque viu o outro usando na TV”
Alcides Nogueira



“O público não somente é conservador como está mais preguiçoso, mais prático, mais materialista. Ele quer a realidade. Acho que a imaginação se reduziu – não só na televisão, mas, de modo geral, no cinema, no teatro” (Ricardo Linhares)



Jefferson da Fonseca Coutinho

Há meio século na casa do telespectador, novelistas são meio homens, meio deuses. No mundo inventado da imagem e da voz, eles detêm o poder da criação desde o preto e o branco. Fazem nascer, dão rumo na vida de quem quer que seja, fazem matar e morrer. É verdade que, nos últimos tempos, com a era digital, andam cada vez mais assombrados pela baixa audiência. Contudo, se desdobram para segurar o público do que é, ainda hoje, o maior atrativo da TV aberta no país. Autores – História da teledramaturgia (Editora Globo, R$ 72) faz justa homenagem documental ao gênero. São dois volumes que, juntos, somam quase 1 mil páginas de entrevistas com os principais novelistas contratados atualmente da Rede Globo. Três deles, Alcides Nogueira, Ricardo Linhares e Maria Adelaide Amaral, estarão hoje em Belo Horizonte para promover o livro. O encontro será no Grande Teatro do Palácio das Artes, às 19h, com debate com a plateia e sessão de autógrafos.


Os depoimentos reunidos em Autores – História da teledramaturgia oferecem ao leitor um passeio pelos bastidores do mundo mágico da ficção. Falam de glamour, mas também revelam os espinhos da criação enquanto a novela está no ar. Para quase todo o time titular, a produção de seis capítulos por semana, a toque de caixa, impõe um ritmo de trabalho alucinante, com média de 40 laudas por dia. Há também consenso em relação à importância do trabalho em equipe. Além dos coautores, existem grupos de assistentes que colaboram, especialmente, em pesquisa e na elaboração dos diálogos. Quem conhece o trabalho do roteirista de TV sabe que das reuniões de pré-produção à telinha o caminho é longo e, muitas vezes, sofrido.


Por meio da obra, que faz parte do projeto Memória Globo, é possível entender melhor a cabeça de criadores como Silvio de Abreu, que, em 1985, em Guerra dos sexos, reinventou o humor na teledramaturgia, com cena pastelão protagonizada por Paulo Autran e Fernanda Montenegro. Os dois atores, eternizados pelos palcos, lambuzados por tortas na cara. Não menos fascinante, o leitor vai encontrar o universo rural que inspirou as tramas inesquecíveis de Benedito Ruy Barbosa, autor de Pantanal (1990), Renascer (1993) e O rei do gado (1996) e, atualmente, com o remake de Paraíso. Vai mergulhar também no “universo sarcástico e romântico” do Rio de Janeiro, segundo Gilberto Braga, responsável por sucessos como Vale tudo (1988), Celebridade (2003) e Paraíso tropical (2007).


Grande “ficcionista da realidade”, como é chamado por muitos, Manoel Carlos esclarece no livro que jamais teve uma paixão de nome Helena. No entanto, tem marcas profundas deixadas por suas protagonistas: Maitê Proença, Regina Duarte, Vera Fischer e Christiane Torloni. São dele, para citar apenas as três últimas, Laços de família (2000), Mulheres apaixonadas (2003) e Páginas da vida (2006). Glória Perez, criadora das mais bem-sucedidas desde Janete Clair, no ar em horário nobre com Caminho das índias, fala da busca por temas polêmicos e sociais que se sobreponham à ficção. Aguinaldo Silva, Antonio Calmon, Carlos Lombardi, Euclydes Marinho, João Emanuel Carneiro, Miguel Falabella, Walcyr Carrasco e Walter Negrão também falam com liberdade de suas histórias, na literatura, no teatro e no cinema.


A obra é documento para enriquecer bibliotecas. Goste ou não, é raro o sujeito que, em casa ou entre amigos, ainda não tenha sido pego envolvido em assunto de trama de televisão. Com a popularização dos televisores nas duas últimas décadas, o folhetim vem sendo a principal fonte de cultura e entretenimento para milhões de desfavorecidos. O que não deixa dúvida sobre a importância da teledramaturgia no Brasil.


“Nem todos os capítulos de Anjo mau (1997) que escrevi eram bons, porque em novela você escreve seis capítulos por semana. No atropelo, é natural que nem sempre você escreva boas cenas… Na minissérie é diferente. A gente tem possibilidade de fazer um capítulo com mais tempo e cuidado”
Maria Adelaide Amaral

(Fotografias: Cicero Rodrigues/Editora Globo)

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