Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Homens que se abraçam


Até o Roberval, machão do tipo que raspa a garganta e cospe no chão, ficou assustado com a notícia. O caso de polícia, ocorrido em São João da Boa Vista, no interior de São Paulo, envolvendo sete criminosos que agrediram pai e filho, abraçados, confundidos com casal gay, é mesmo de causar espanto aos mais antigos. "O homem de 42 anos, abraçado ao filho de 18, teve parte da orelha decepada pelo agrupamento de agressores", disse o âncora da TV. Roberval, fazendeirão, crescido e criado entre mulas e marimbondos, ainda não havia se tocado por ação tão bárbara por parte do bicho-homem. Lembrou-se das palavras do pai, já do lado de lá, abatido por cirrose brava provocada pela cachaça: "Não quero você abraçado com o seu tio, moleque! Homem que é homem não abraça homem e espero não ter que repetir isso. Estamos entendidos?".

O velho Pedro era mesmo de lascar. Também pudera, analfabeto de pai e mãe, educado por coro de vara de marmelo e pescoções, jamais soube o que era abraço. Quase recebeu um único apenas. No leito de morte. Mas ficou no quase, já que o pequeno Roberval não teve coragem de desobedecer o moribundo. O garoto chegou a se inclinar e levar os bracinhos em direção ao pai, na cama de madeira pesada, no quarto mais triste da fazenda. Tomado por trauma, acabou por interromper o gesto ao bater o olho na cara amarrada do homem-macho que se ia. A imagem do último suspiro do pai, 45 anos passados, voltou nítida aos pensamentos do Roberval, hoje, às vésperas de seu cinquentenário. A notícia da estupidez contra pai e filho no interior paulista tocou para valer o sujeito, que parou para rever a vida.

Lembrou-se dos filhos homens, jamais abraçados, que estavam para chegar na manhã daquele sábado para o domingo de festa de aniversário no Triângulo Mineiro. Três rapazes feitos, estudantes de respeitada instituição de ensino em Belo Horizonte. Embora turrão, Roberval era pai preocupado com o futuro. Até montou apartamento no Bairro Coração Eucarístico para os garotos tocarem a vida. Depois que a mulher o deixou então, no verão passado, passou a pensar mais ainda nos meninos. Iracema largou Roberval para morar em casinha de praia no Guarujá. "Pra lá é que não vou nunca, Iracema. Se quiser, pode ir", disse à mulher. Ela foi.

Longe da mulher e dos filhos, o Roberval estava mesmo disposto a olhar para dentro de si. Agora, pela televisão, a barbaridade cometida contra pai e filho em São Paulo soprou-lhe a alma. Assim sendo, o produtor rural colocou sua melhor roupa e deu ordens à cozinheira: "Dona Francisca, hoje, quero melhor almoço que a senhora já fez nesta casa, ouviu!". Seguiu a pé os três quilômetros de terra batida até a porteira. Lá, sob frondosa copa de ipê cor-de-rosa, ficou a ouvir pássaros azuis. Horas depois, gastou os melhores abraços da vida com seus três homens feitos. Iracema, no banco de trás do carro sedan, surpresa de aniversário, acabou ela surpreendida com a cena de família.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 25/7/11

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