São tristes as marcas da infância para muitos, mas para Rogerinho, que sonhava ser policial, foram ainda mais profundas. Houve até um talho de centímetros, logo abaixo do olho direito, feito a faca pelo próprio pai. Rogério, de Santa Efigênia, não era moleque qualquer. Deu-lhe, a natureza, biotipo de gigante: aos 7 anos, já aparentava mais de 10. Filho mais velho de dona Naná com o Guimba, biscateiro, alcoólatra, que gostava de descer a mão na mulher e nos seis filhos. Rogerinho, desde o colo, era quem mais sofria com a ignorância do pai. Tinha até queimaduras de cigarro pelo corpo, provocadas pela virulência do infeliz.
Dona Naná, sempre grávida, nada dava conta de fazer. Guimba não gostava do filho. Fazer o quê? Desconfiava da mulher por causa da pele e do cabelo liso do garoto. Bastava beber para esbravejar: “Olha o cabelo dessa porquera. Vê lá se isso aí é meu!”. Em seguida, sentava a mão em tudo o que aparecesse pela frente: pessoas, objetos ou animais. Já havia quebrado de tudo no barraco: filtro de barro, cadeira, rádio, panela, porta, pia e o vaso sanitário. Pisoteou pintinho, porquinho-da-índia e descadeirou a vira-lata com seus filhotes. Também quebrou o braço da mulher, grávida de oito meses. Dia em que, aos 4 anos, para defender a mãe, Rogerinho puxou arma branca para o pai. Guimba não só tomou a faca da mão do filho, como também a passou no seu rosto.
Não era difícil compreender o comportamento do menino da cicatriz, que queria ser policial. Rogerinho crescia friíssimo. No aglomerado, não havia vizinho de sua idade que aguentasse sair na mão com o moleque. Se em casa ele vivia de apanhar, na rua, era ele a descer a mão. As únicas pessoas que conseguiam mantê-lo com a cabeça no lugar eram as tias da Casa André Luiz. Mesmo assim, vez por outra, também arrumava confusão por lá. Num desses auês, quem diria, acabou ganhando um amigo: Vitinho. A amizade para valer veio no ano seguinte ao empurrão na fila da merenda. Rogério e Vitinho acabaram sentados lado a lado na turma da tia Lindeia.
O guri não era de muita conversa. Era bom de bola, finca e papagaio. Esforçado, gostava muito da escola. Certa vez, confidenciou ao Vitinho que queria morar na Casa André Luiz. Só tempos depois o amigo foi entender o porquê. Estudaram juntos por alguns meses apenas. Rogerinho foi obrigado a deixar a escola para ajudar a mãe a cuidar da família. Guimba, o pai, estava mal, pela hora da morte. Mãe grávida de um lado, pai acamado do outro, era o Rogerinho a fazer comida e a dar banho nos irmãos. Vitinho foi visitar o amigo numa tarde e jamais esqueceu o que viu: o moleque de 7 anos no tanque, lavando fraldas e mais fraldas de vômito e cocô.
Assim sendo a vida, cada um seguiu seu rumo. Rogerinho cresceu, ganhou maioridade e realizou dois sonhos antigos. Disso Vitinho soube pelas páginas dos jornais: “Policial mata o pai em legítima defesa”. Na foto, fardado, o menino da cicatriz.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 4/9/10
Dona Naná, sempre grávida, nada dava conta de fazer. Guimba não gostava do filho. Fazer o quê? Desconfiava da mulher por causa da pele e do cabelo liso do garoto. Bastava beber para esbravejar: “Olha o cabelo dessa porquera. Vê lá se isso aí é meu!”. Em seguida, sentava a mão em tudo o que aparecesse pela frente: pessoas, objetos ou animais. Já havia quebrado de tudo no barraco: filtro de barro, cadeira, rádio, panela, porta, pia e o vaso sanitário. Pisoteou pintinho, porquinho-da-índia e descadeirou a vira-lata com seus filhotes. Também quebrou o braço da mulher, grávida de oito meses. Dia em que, aos 4 anos, para defender a mãe, Rogerinho puxou arma branca para o pai. Guimba não só tomou a faca da mão do filho, como também a passou no seu rosto.
Não era difícil compreender o comportamento do menino da cicatriz, que queria ser policial. Rogerinho crescia friíssimo. No aglomerado, não havia vizinho de sua idade que aguentasse sair na mão com o moleque. Se em casa ele vivia de apanhar, na rua, era ele a descer a mão. As únicas pessoas que conseguiam mantê-lo com a cabeça no lugar eram as tias da Casa André Luiz. Mesmo assim, vez por outra, também arrumava confusão por lá. Num desses auês, quem diria, acabou ganhando um amigo: Vitinho. A amizade para valer veio no ano seguinte ao empurrão na fila da merenda. Rogério e Vitinho acabaram sentados lado a lado na turma da tia Lindeia.
O guri não era de muita conversa. Era bom de bola, finca e papagaio. Esforçado, gostava muito da escola. Certa vez, confidenciou ao Vitinho que queria morar na Casa André Luiz. Só tempos depois o amigo foi entender o porquê. Estudaram juntos por alguns meses apenas. Rogerinho foi obrigado a deixar a escola para ajudar a mãe a cuidar da família. Guimba, o pai, estava mal, pela hora da morte. Mãe grávida de um lado, pai acamado do outro, era o Rogerinho a fazer comida e a dar banho nos irmãos. Vitinho foi visitar o amigo numa tarde e jamais esqueceu o que viu: o moleque de 7 anos no tanque, lavando fraldas e mais fraldas de vômito e cocô.
Assim sendo a vida, cada um seguiu seu rumo. Rogerinho cresceu, ganhou maioridade e realizou dois sonhos antigos. Disso Vitinho soube pelas páginas dos jornais: “Policial mata o pai em legítima defesa”. Na foto, fardado, o menino da cicatriz.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 4/9/10
2 comentários:
Você é demais!!!!
Parabéns!!!
Mais uma vez me emocionei.
Bj
Alguns sonhos, quando realizados, tornam-se tristezas sem fim...
Emocionante a história...linda sem fim...
Adélia
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