Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 25 de julho de 2009

Uma rua chamada solidão (14)

"O schnauzer, valente, abocanhou-lhe os bagos e o fez deitar no chão e implorar piedade. Abatido, ouviu: 'Você vai embora agora e nunca mais vai se aproximar de mim. Está entendendo? Ou o Raul vai ter que fazer você virar mulherzinha?'”


Madame Lalá cantou a pedra: “Guaicurus. A Maria que você procura está na Rua Guaicurus”. João não gastou mais tempo nem para corresponder aos sorrisos das belezuras do lugar. Na companhia do taxista Lilico, o jovem evangélico saiu às pressas e bancou bandeirada para o centro da cidade. Sentiu próximo seu tão esperado reencontro com a mulher que o fez homem no Espírito Santo. “Maria”, pensou em voz alta decidido a fazê-la a dama mais feliz do planeta.


Já Maria, no Bairro São Gabriel, no barracão de fundos da velha amiga carioca, suspirou profundamente e entendeu que era hora de agir. “Não posso deixar que o mundo gire simplesmente”, disse para si mesma de frente ao espelho vagabundo de moldura alaranjada. Claudete naquela noite quis se deitar mais cedo. Agarrou-se ao pequeno Julim e dormiram abraçados, com a televisão ligada. Decidida, Maria desfez a mala, contou e recontou suas economias somadas nos tempos de calçadão no Rio de Janeiro, e planejou trabalho duro no dia seguinte para espantar a tristeza. “Vou fazer o que faço melhor”. Fingir gozo embaixo de homens sós era o que a puta que havia nela fazia muito bem. Prazer ela sentiu apenas com João, adormecido num canto qualquer da memória.


Carvalini rodou a cidade com o pensamento em Maria. Diferentemente de outras jornadas, o detetive não quis estapear moleques para espantar o tédio. Também não quis a companhia de seu parceiro Leomar. Liberou o agente amigo do faro apurado para farrear com Suely, mulher casada com vendedor ambulante em missão na Bahia. Chamada não atendida de casinho raso que conheceu em festa junina no Bairro Santa Terezinha, desligou o celular para não falar com ninguém. Já passava das 22h, quando mandou ver prato feito no Bar do Bolão, na Praça Duque de Caxias. Virou cerveja gelada em poucos golos para aliviar a garganta embargada pela falta de sorte com as mulheres que passaram pela sua vida.


Dorinha, no JK, teve a porta esmurrada pelo ex-companheiro bêbado. Do corredor o infeliz gritava: “Abre ou ponho tudo abaixo, vagabunda!”. A bela cantora, fortalecida pela certeza de não querer saber nunca mais do sujeito, abriu o trinco sem medo de encarar o animal. “Cadê o seu homem? Vim matar o filho da puta!”, esbravejou, invadindo o apartamento e partindo para cima da mulher. O schnauzer, valente, abocanhou-lhe os bagos e o fez deitar no chão e implorar piedade. Abatido, ouviu: “Você vai embora agora e nunca mais vai se aproximar de mim. Está entendendo? Ou o Raul vai ter que fazer você virar mulherzinha?”. Pegou o sujeito pelos cabelos e levou-o de volta ao corredor. “Pode soltar, Raul”, comandou. Dois vizinhos viram o canalha, em pranto covarde, deixá-la em paz.


Enquanto isso, João e Lilico esquadrinhavam os hotéis baratos da rua da solidão.


(Continua no próximo sábado)
Jefferson da Fonseca Coutinho - Vida Bandida - 25 de julho de 2009

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