Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Perfil de Sergio Penna



Por Jefferson da Fonseca Coutinho

De volta a Belo Horizonte, depois de preparar o elenco de Batismo de Sangue, de Helvécio Ratton, em 2005, o diretor paulista Sérgio Penna abraça nova empreitada. Dessa vez com o Grupo Galpão em Cinema Instantâneo, proposta experimental que privilegia o trabalho do ator-criador. Nome de destaque nos bastidores de filmes como Bicho de sete cabeças, Carandiru, Não por acaso, Contra todos e Chega de saudade, Penna é dos mais requisitados preparadores de elenco do Brasil. Seu trabalho auxiliar na função do intérprete tem como ponto forte a busca pela verdade em mergulho profundo na criação da personagem. Atores como Rodrigo Santoro, Gero Camilo, Caio Blat, Wagner Moura, Cássia Kiss e Lázaro Ramos já foram orientados por Penna. Com Santoro, aliás, a parceria continua em carreira internacional. O diretor vem atuando como uma espécie de treinador particular do astro brasileiro. Foi assim em I Love you Phillip Morris, com Jim Carrey e Che, com Benício del Toro.

Sergio Penna já esteve com o Galpão em oficina aberta de interpretação ministrada em 2004. Foi quando recebeu convite de Helvécio Ratton para trabalhar no longa inspirado no livro homônimo de Frei Betto. O projeto atual está em fase de investigação e composição de temas. Trata-se de processo colaborativo que tem como foco central a disponibilidade da emoção do ator. “Não existe roteiro ou história. Não há compromisso com nada pré-estabelecido. Estamos pouco preocupados com resultado. No momento, o que importa é o processo”. Segundo Penna, as cenas são recortes de curta duração, construídos a partir dos sentimentos de cada ator-criador. Seu papel é exclusivamente ajudar o intérprete a se esvaziar de qualquer excesso, a se desconstruir para deixar espaço para a descoberta de novas verdades. “O instante não pode durar muito, se não ele se repete. O que está em questão é a disponibilidade do ator para o que pode acontecer no momento natural da criação. É um exercício de composição de fragmentos das relações humanas”, diz.


Carreira

Professor de Direção de Atores do departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo) e da Academia Internacional de Cinema de São Paulo, Penna também é palestrante e realizador de oficinas e workshops de interpretação por diversos estados brasileiros, além de professor convidado da EICTV (Escola Internacional de Cinema e Televisão), de Cuba. Tarimbado diretor teatral, formado em Ciências Sociais, foi revelado para o cinema por Laís Bodanzky, em 2000, quando preparou o elenco do premiado Bicho de sete cabeças. Na época, Penna dirigia grupo de teatro formado por pacientes psiquiátricos. Comedido, dono de voz tranqüila, o diretor de atores fala com especial carinho sobre o profissional de teatro: “O teatro é um exercício muito importante para o ator. Por tudo. Especialmente pelo seu processo criador, de colaboração. O palco tem o seu lugar na formação do bom intérprete. É onde se exercita com mais freqüência o jogo de cena, o conflito o estudo da personagem. Infelizmente, o Brasil ainda não produz tanto cinema quanto deveria. Seria muito rico se todo ator pudesse exercitar o seu trabalho dentro da linguagem cinematográfica. A partir dessa experiência teria um domínio ainda maior sobre suas ações”, ressalta.


Método

Sobre seu processo apurador, Sergio Penna fala com a intimidade de quem, há anos, ganha o pão com a busca pela perfeição na elaboração de qualquer papel. Explica a diferença no seu método de lidar com artistas experientes e com pessoas comuns na função circunstancial de intérprete. “Quando tenho um elenco profissional, independente da sua formação, procuro fazer com que ele descubra o menos, tento fazer com que ele entenda a importância da respiração e do domínio do seu corpo. Com não-atores é um processo inverso: busco trazê-los para a realidade técnica da linguagem. Procuro fazer com que cada ator em exercício tenha recursos para recorrer à repetição sem perder a naturalidade necessária para sustentar sua criação. Quando digo ‘menos’, quero dizer ‘mais’ ao que é interno. Na busca pela verdade não há lugar para o excesso, ao que é apenas externo. É fundamental ao ator entender sua pulsação, ouvir o tempo presente em todas as coisas. É como música, dança. Há uma pulsação para tudo. E esse o caminho”, ensina.

É no haikai, estrutura poética japonesa de concisão e objetividade, que Sérgio Penna busca grande parte de sua inspiração para o exercício da síntese. Diz-se muito influenciado também pela dança contemporânea, pelo teatro oriental e pela música. Cita Stanislavski, Brecht, Grotowski, Peter Brook, Boal como quem já devorou livros voltados para o ator. No entanto, reconhece o desenvolvimento de método particular no acúmulo das informações recebidas nos livros e na prática como diretor de grupos especiais. “Eles estão em mim. Não tenho dúvidas quanto a isso. Em geral, todos nós somos a soma de muita coisa. Há em mim uma inquietação muito grande e a arte amplia horizontes para você investigar essa inquietude. O fator determinante para esse olhar para dentro, vem do meu trabalho com atores portadores de necessidades especiais e com pacientes psiquiátricos. Eles desenvolvem, de maneira rara e apurada, olhar, sensibilidade e escuta. São demasiadamente humanos”.

(Matéria publicada no jornal Estado de Minas em 2008)

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