Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Bela, 23: 'Porque Deus fez a mulher'

O anúncio em negrito, na coluna Relax, parecia fora de lugar. O classificado do jornal popular provocou o velho Cantareira, que circundou o quadrado com a caneta vermelha, de luxo. Catou o telefone e, sem pensar muito, agendou o compromisso com a moça para às 19h.

- R$ 300.
- Combinado.

Na medida para dois, o jantar: tortiglioni fresco ao ragu de linguiça artesanal. Mais uma especialidade do coronel aposentado, chef de cozinha amador. Bela, diferentemente das outras meninas alugadas pelo viúvo, chegou mais cedo.

- Bela.
- Ah, sim. Sobe.

Um espetáculo de metro e sessenta, mais ou menos. Pernas bem feitas, pele delicada, sem excessos na maquiagem. Cabelos brilhantes, nos ombros. Perfume levemente adocicado, roupas de bom gosto e de corte sensual em vermelho e amarelo. Colo à mostra, com seios firmes e naturais. Mas o melhor estava na boca: dentes brancos e alinhados, de cinema. De quebra, o sorriso mais gostoso de que Cantareira teve notícia.

- Vicente Cantareira?
- Sim. Isabela?
- Não, amor... Bela. Curtinho assim é melhor, não acha? Bela.
- Bela. Sim, claro. Combina melhor com você. Tem razão.
- Isabela é muito comum... não sou nada comum amor... você vai ver.

Ela entrou como se conhecesse o lugar. Soltinha, andou pela sala e escolheu o CD para alegrar o ambiente.

- Posso?
- Claro.

Bela colocou a música antiga e pediu bebida.

- Adoro música velha. Hoje, só tem coisa ruim... sertanejo é tudo igual... um horror. Ninguém merece. É só dor de corno e de cotovelo. Tem funk, né!? Podem criticar à vontade, mas tirando a metade mais pesada, cheia de sacanagem, o batidão do funk é muito bom pra gente dançar. Isso é o que?

- Cartola. “Preciso me encontrar”, instrumental com o Choro das Três... É uma das minhas músicas prediletas. Gosta?

- Linda. Muito linda. Eu conheço... quer dizer, acho que conheço.

Bela bebe a taça de vinho num só gole. Alegre, divertida, troca passos e começa a dançar sozinha na sala. Show que arranca suspiros do velho sistemático e bem comportado. Ele assiste com raro prazer a performance da mulher. Ao fim da música, o coronel vai até a cozinha buscar o prato para a noite de programa. Uma faixa instrumental emenda à outra e a trilha de fundo agora é “O mundo é um moinho”, outro clássico de Cartola.

- Essa eu conheço demais... minha mãe vivia cantando pra mim... “Presta atenção, querida, embora eu saiba que estás resolvida... em cada esquina, cai um pouco tua vida... em pouco tempo não serás mais o que és...”

- Sua voz é muito linda, Bela.
- Obrigada! É que cantava no coral da igreja.
- Você é católica?
- Sim. Mas não vou mais à missa... ficou muito chato.

Juntos, jantaram como velhos amigos. Cantareira pagou com gosto pela companhia. Sexo? Nem pensar. Ali, sexo só para os fracos.

- Boa noite, amor.

Uma foto com a velha polaroide para o mural particular de alegrias do viúvo apaixonado. Bela foi para casa, dormir, feliz por não ter tirado a roupa.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

Nenhum comentário: