Naquela segunda-feira, nada de invencionices para o jantar. Um
ravióli de queijo brie, damasco e nozes ao molho de champanhe. Receita
que Cantareira aprendeu num dos cursos de gastronomia que ele vivia de
fazer. O velho preparou a mesa com toalha de luxo para receber Sônia.
Uma coroa magrela, corpo de menina, acertada nos classificados por R$
200 - promoção da coluna relax do jornal popular.
- Sônia.
- Sim. Sobe.
Ela subiu sem demora. Na porta, sorriu para o olho mágico com a
segurança das meninas maduras. O coronel setentão suspirou ao ver a dama
de preto e branco - moda em Belo Horizonte. Admirou-a dos pés à cabeça e
disse a primeira frase que veio-lhe à mente:
- Meninas crescidas assim são raras de se encomendar hoje em dia.
- Você quer dizer velha...
- Não. Quero dizer com essa estatura de presença. Por favor, entre.
- Obrigada, Vicente. Vicente... não é isso?
- Sim. Vicente. Você é a Sônia...
- Já tive muitos nomes. Todas têm. Mas gosto de Sônia. Foi o nome que a
minha mãe me deu. Homenagem a minha vó, uma mulher guerreira do Norte.
- Uma pergunta... Você gosta do Papa Francisco?
- Não gosto nem desgosto. Simpático ele. Por que?
- É que, antes de você chegar, estava aqui pensando... Eu não serviria pra ser Papa.
- Você? Papa?
- Sim. (pausa) Parece que dá muito trabalho esse negócio de ser santo. Mas esse argentino está me saindo muito bem, não acha?
Sônia concordou com a cabeça. Sorriu charme e não levou adiante o
assunto. Vicente trouxe o jantar e serviu-lhe a taça de vinho branco,
chileno. Cantareira não fez mais rodeios e falou em amor.
- Você já amou de verdade, Sônia?
- Uma vez. Faz tempo. Foi bom. Serviu pra me dar força pra tocar a vida.
- O que aconteceu? Importa-se em tocar no assunto?
- De jeito nenhum. Estou curada. O sujeito se apaixonou por outra e foi
embora. Eu tava grávida. (pausa) Perdi o bebê. Deus sabe o que faz. Aí,
cai na vida.
- Há quanto tempo?
- Muito. Eu era bem menina.
Sem sofrimento, o velho viúvo e a dona de aluguel trouxeram à mesa o
passado. Ela falou um pouco mais sobre o namorado que sumira no mundo,
enquanto mandava ver o ravióli. Cantareira revelou à companheira de
ocasião o amor intacto pela mulher amada, morta há mais de 20 anos.
- Amor a gente não explica. A gente só sente, não é!?
- É o que digo, Vicente: amor é amor. Sexo é outra coisa. A gente pode
até botar preço. E quando tem preço a coisa fica mais transparente, às
claras para os dois.
Também sorriram tolices. Ao fim do jantar, Cantareira pagou os R$ 200.
Fez bela foto da coroa para o mural de lembranças. Na porta, já de
saída, Sônia abraçou o velho como se o amasse por instante.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho
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