O anúncio em negrito, na coluna Relax, parecia fora de
lugar. O classificado do jornal popular provocou o velho Cantareira, que
circundou o quadrado com a caneta vermelha, de luxo. Catou o telefone e, sem
pensar muito, agendou o compromisso com a moça para às 19h.
- R$ 300.
- Combinado.
Na medida para dois, o jantar: tortiglioni fresco ao ragu de
linguiça artesanal. Mais uma especialidade do coronel aposentado, chef de
cozinha amador. Bela, diferentemente das outras meninas alugadas pelo viúvo,
chegou mais cedo.
- Bela.
- Ah, sim. Sobe.
Um espetáculo de metro e sessenta, mais ou menos. Pernas bem
feitas, pele delicada, sem excessos na maquiagem. Cabelos brilhantes, nos ombros. Perfume levemente adocicado, roupas de bom gosto e de corte sensual
em vermelho e amarelo. Colo à mostra, com seios firmes e naturais. Mas o melhor
estava na boca: dentes brancos e alinhados, de cinema. De quebra, o sorriso
mais gostoso de que Cantareira teve notícia.
- Vicente Cantareira?
- Sim. Isabela?
- Não, amor... Bela. Curtinho assim é melhor, não acha? Bela.
- Bela. Sim, claro. Combina melhor com você. Tem razão.
- Isabela é muito comum... não sou nada comum amor... você
vai ver.
Ela entrou como se conhecesse o lugar. Soltinha, andou pela
sala e escolheu o CD para alegrar o ambiente.
- Posso?
- Claro.
Bela colocou a música antiga e pediu bebida.
- Adoro música velha. Hoje, só tem coisa ruim... sertanejo é
tudo igual... um horror. Ninguém merece. É só dor de corno e de cotovelo. Tem
funk, né!? Podem criticar à vontade, mas tirando a metade mais pesada, cheia de
sacanagem, o batidão do funk é muito bom pra gente dançar. Isso é o que?
- Cartola. “Preciso me encontrar”, instrumental com o Choro
das Três... É uma das minhas músicas prediletas. Gosta?
- Linda. Muito linda. Eu conheço... quer dizer, acho que
conheço.
Bela bebe a taça de vinho num só gole. Alegre, divertida,
troca passos e começa a dançar sozinha na sala. Show que arranca suspiros do
velho sistemático e bem comportado. Ele assiste com raro prazer a performance
da mulher. Ao fim da música, o coronel vai até a cozinha buscar o prato para a
noite de programa. Uma faixa instrumental emenda à outra e a trilha de fundo
agora é “O mundo é um moinho”, outro clássico de Cartola.
- Essa eu conheço demais... minha mãe vivia cantando pra
mim... “Presta atenção, querida, embora eu saiba que estás resolvida... em cada
esquina, cai um pouco tua vida... em pouco tempo não serás mais o que és...”
- Sua voz é muito linda, Bela.
- Obrigada! É que cantava no coral da igreja.
- Você é católica?
- Sim. Mas não vou mais à missa... ficou muito chato.
Juntos, jantaram como velhos amigos. Cantareira pagou com
gosto pela companhia. Sexo? Nem pensar. Ali, sexo só para os fracos.
- Boa noite, amor.
Uma foto com a velha polaroide para o mural particular de
alegrias do viúvo apaixonado. Bela foi para casa, dormir, feliz por não ter
tirado a roupa.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho
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