Cantareira escolheu a moça do dia sem pestanejar. Nos
classificados relax, em preto e branco, havia até foto produzida, pequeninha.
Logo abaixo, um endereço eletrônico, “com mais imagens de tirar o fôlego”,
ofertava o papel jornal. Nada de links para internet. O velho coronel queria
conhecer Kika pessoalmente, no tête-à-tête. E estava disposto a pagar com gosto
os R$ 400 pelo programa.
- Kika.
- Sobe.
Ela subiu. Vestido vermelho, curto, colado no corpo suspenso
pelo salto alto preto – naquela altura, ela, com mais de metro e oitenta. Boca
carnuda colorida de vermelho, cílios destacados nos olhos negros em sombra azul. Uma
pintura. Cantareira engoliu a seco com o calor da juventude abaixo do umbigo.
Kika, gostosíssima, entrou no apartamento disposta a arrebatar o sujeito.
– Oi. Agora, a gente pode se apresentar direito… por
telefone é tão frio… e pelo interfone, gelado… “sobe”. Falta de graça. (pausa
de sorriso e malícia). Sou a Kika. Estudante de relações internacionais e
modelo nos tempos que me sobram…
– Modelo?
– Sim. Modelo. Faço fotos para campanhas publicitárias de um
montão de coisas. Não aqui. Em São Paulo. Essa cidade é uma roça. Fico aqui só
por causa do meu pai, que tá doente e precisando de mim.
– Bonito gesto o seu. Conheço muitas pessoas que não
ficariam nessa roça por causa do pai.
– Gosto dele. Foi infeliz a vida toda. Quando foi largado pela
minha mãe, quase morreu de desgosto. Agora, por causa de um AVC no ano passado,
vive de cama e não parece querer mais se comunicar com o mundo. Mas, vai
entender, sorri quando eu estou perto. É o que me faz ficar aqui.
– Quantos anos tem o seu pai, Kika?
– 71. Quer dizer… ele ainda não tem 71. Vai fazer, se Deus
quiser. Em dezembro.
– Também tenho 70. É uma idade bonita de se ter, pode
acreditar.
– Mas você tá enxutão… Meu pai parece que é seu avô. Tá
muito acabado ele. Foi muito judiado pela vida. Começou a trabalhar criança na
lavoura. E quando cresceu foi só desilusão. Foi casado duas vezes e acabou
abandonado as duas vezes. Achava que não podia ter filho, aí eu nasci… do
último casamento.
– E porque você está nas páginas dos jornais? Quer dizer…
podia passar mais tempo com ele… Digo isso, Kika, sem querer ofender você…
– Não me ofende. Também fico me perguntando isso quando saio
para trabalhar. Os programas para mim são trabalho. Gosto do que faço e preciso
sair um pouco para viver a minha vida… é muito sofrimento na nossa casa.
(pausa) Não sou triste. Quer dizer… não gosto de ser triste. Mas ele pode ir
embora a qualquer momento… e a minha história é outra, não posso depender dele…
tem que continuar. Penso assim.
– Entendo. Você não tem namorado?
– Namorada. (pausa para a falta de graça e acender o cigarro) Já tive. Mas tô
tirando um tempo pra mim.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho
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