Dois irmãos, únicos. Filhos de dona Dejanira com sujeito sem
importância. Um, Joaquim, de 27, acaba de voltar dos Estados Unidos, às
pressas, pela pouca sorte da família. Há três anos o caçula ganhava a
vida como copeiro em Nova York. O outro, Francisco, de 41, o Chico, está
preso. Condenado a sete anos por tráfico de drogas. Começou vendendo
cachaça de fusquinha laranja, acabou distribuindo pó com jipão
importado. A condenação do filho predileto foi golpe duro demais para a
cozinheira. Dejanira teve piripaque de tristeza e passou maus bocados,
vítima de acidente vascular cerebral, em CTI de hospital público de Belo
Horizonte.
Do aeroporto internacional de Confins, de mala e tudo, Joaquim foi
direto para o hospital. Implorou ao chefe de plantão para entrar e ver a
mãe, ainda que fora de hora. O bom homem careca, de olhos verdes,
solidário ao drama do rapaz, quebrou o protocolo. A mãe sorriu com os
olhos e, grogue, com o canto seco da boca, balbuciou o nome do filho
preso: “Chico... Chico...” E tome lágrima de matar o coração. Joaquim
prendeu o choro e deixou o hospital. Passou em casa na Região de Venda
Nova para deixar as malas. Lá, pelos vizinhos, soube melhor das
trapalhadas do irmão sem juízo.
Orientado por conhecido, Joaquim se cadastrou para poder ver o parente.
Enquanto aguardava parecer para entrar no presídio, teve que enterrar a
mãe. Na noite em que o filho caçula voltou dos EUA, Dona Dejanira teve
duas paradas cardíacas seguidas e não resistiu. Outro bom doutor foi
quem ouviu o último suspiro triste da cozinheira: “Chico”. Coube ao
copeiro dar a notícia da morte da mãe ao irmão condenado. Diante do
sujeito, o silêncio mais doído de duas vidas. Foi Chico quem puxou
assunto qualquer para despistar o desespero e a vergonha.
– Tava com saudades de você, Kim. Tá gordo, chique, até com cara de
rico. (pausa) Ainda bem que você veio. Liguei pra pedir sua ajuda só pra
segurar a barra com a mãe. Só até eu sair daqui.
– Cara, olha só a merda que você fez. Que você andava perdido todo mundo
sabia... que vivia preso por não pagar a pensão dos meninos, disso eu
fiquei sabendo lá... mas virar traficante? Que merda você tem na cabeça?
– Vai esculachar? Até você veio aqui pra me dar lição de moral? (pausa) A
mãe é sua também. Quando você decidiu tentar a vida nos Estados Unidos,
eu dei a maior força... quem ficou aqui, morando com ela fui eu. Agora,
tô ferrado. Só isso.
– Ferrado e levando todo mundo com você... você sabe o que os seus
filhos estão sentindo? Ontem, eu tive com o André e ele disse que você
tá morto pra ele. Sabe porque? Não é porque você tá aqui não... é porque
tem três anos que você não dá um telefonema pra saber se ele tá vivo.
– Não se mete na minha vida. Você só tem que cuidar da mãe até eu ajeitar as coisas.
– A mãe morreu. Tem três dias. Desgosto. A última coisa que ela disse foi o seu nome.
Silêncio de morte entre os dois. Joaquim respira fundo e sai de cena.
Chico, o condenado, mergulha a cabeça entre as mãos como o mais perdido
dos mortais.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho
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