O João Elias é amigo dos bons, dos mais otimistas que conheço.
Daqueles raros que, com exemplo, melhoram a vida da gente. Teve lá em
casa no fim de semana, na tarde de almoço em que Violeta caprichou pelo
batizado de nosso garoto. Pouca gente. Só os mais próximos da família. E
o João é irmão de consideração. Cortou mais de 300 quilômetros para
comparecer à Igreja de Santo Antônio e experimentar o feijão da patroa.
Desde que se mudaram para a Zona da Mata, ele e a família têm vindo
muito pouco a Belo Horizonte. “Só em ocasiões muito especiais, Josiel”,
diz. Obrigado, João! Foi uma grande alegria rever o amigo otimista e
exemplar. Sujeito dos mais trabalhadores e alegres de que já se teve
notícia. De família de poucos recursos, irmão mais velho dos nove filhos
de dona Maura, João, aos 8 anos, começou a trabalhar por iniciativa
própria para a judar em casa.
Estudou só até o que era chamado “primeiro grau”. Mesmo assim foi
reprovado no último ano, na oitava série. Estudava à noite. Levantava às
4h30, na Região da Pampulha, para trabalhar como servente de pedreiro.
Depois do dia inteiro no serviço pesado, ainda reunia forças para ir
para à escola. Foi quando a gente se conheceu. Ele, pregado de tanto
cansaço, dormia na sala, no último horário, por volta das 22h. Não era
para menos.
Resultado: aos 16 anos, reprovado na oitava série. Na ocasião, falava
que estudar não era para ele. “Tenho é que trabalhar. Ganhar dinheiro
pra ajudar a minha família”, disse-me. Nunca esqueci. No ano seguinte,
até estava matriculado, mas não voltou aos bancos da escola. Encarou
firme o trabalho e ajudou a mãe a sair do aluguel com os irmãos mais
novos. Como ele, todos os outros filhos de dona Maura seguiram o caminho
do trabalho.
Depois que João deixou a escola, ficamos um tempo sem contato. Até que,
por essas manobras do destino, Marília, mocinha mais velha da dona
Maura, veio parar no meu táxi. Cinco anos passados, não dei conta de
reconhecer a irmã do João. Estava crescida e bastante mudada. Mulher
feita. Retomamos o contato e a boa amizade. João havia deixado o serviço
de servente e juntado dinheiro para comprar três carroças e trabalhar
com outros dois irmãos.
Fiquei triste quando soube da morte do pai dos meninos, vítima de
acidente de ônibus. A situação que já era difícil ficou ainda mais
complicada. E o que, na época, já me impressionava é que, na casa de
dona Maura, com nove filhos, ninguém reclamava da vida. Todos, sempre,
cheios de otimismo. Havia alegria em tudo naquele endereço. Uns pelos
outros em toda e qualquer circunstância. Jamais conheci família mais
unida, alegre e otimista na vida.
Enquanto João Elias, Humberto e Chico tocavam o negócio das carroças em
serviço de limpeza urbana, dona Maura e as filhas trabalhavam – lavando e
cozinhando para particulares. Há dois anos, João Elias juntou recursos
com irmãos e cunhados. Juntos, compraram uma terrinha para investir na
plantação de grãos. Dona Maura resistiu, mas acabou cedendo e topando
deixar BH. Só Anita, a caçula, na faculdade de administração, ainda não
foi.
João, a mulher Fabiana, e o filho Luiz Carlos, de 7, estão felizes com a
vida nova. Domingo, depois que nossos convidados se foram, Violeta e eu
conversamos muito sobre a história de vida de João Elias. Minha mulher
estava comigo e ouviu o amigo, por horas, contar sobre os irmãos. Em
momento algum, algo ruim. Eterno otimista, João só tinha motivos para se
orgulhar da família, agradecer o presente e acreditar no futuro.
Bandeira Dois - Josiel Botelho
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