Hoje é dia. Toda segunda-feira, às 19h, o velho Cantareira tem
programa marcado com moça qualquer dos classificados de “relax”. Há duas
semanas, em noite de massa ao pesto, carmenère e bolero, foi uma tal
“Iolanda”, que mais tarde se revelou Maria Helena. No último encontro, o
setentão recebeu “Stephanie”.
– Stephanhie.
– Vamos… entre.
– Licença!
Stephanie, curiosa, soltinha, mede canto por canto da sala de visita.
– Amor, posso fumar? O filho da puta do taxista não me deixou acender o
cigarro… até com a janela aberta o infeliz amarrou… tem uns malas que
não dou conta…
Vicente traz um cinzeiro. Olha a menina de aluguel com carinho. Serve
vinho. Vai até a cozinha e traz o prato da noite: tilápia ao molho de
tangerina.
– Amor! Arrasou! Pra mim? Tá de sacanagem… olha que eu fico mal
acostumada… E quando eu pego não solto mais… Bonitão, elegante… Assim
eu até caso, amor!
– Há quanto tempo?
– Não entendi, amor… repete.
– Quanto tempo tem que você trabalha nisso?
– Trabalho não, amor… eu me divirto. Gosto, sabe? Gosto muito. Sou puta de nascença.
– Quantos anos você tem?
– Hoje? … Quantos anos você me dá?
Ela se levanta e gira. Mostra-se inteira, vaidosa e oferecida.
– É tudo natural, viu, amor… tem nada de plástico aqui, não. Olha bem…
Quer pegar? Pode pegar… É de nascença mesmo… Então… Quantos anos tenho?
– Vinte e… oito.
– Trinta e três, amor. Nem parece… parece?
Ela volta à mesa. Senta-se e devora o peixe.
– Você está muito bem.
– No anúncio eu coloco 23… acha que estou forçando a amizade? Pode falar…
– De forma alguma, Stephanie. Sinceramente, eu acho que nem faz muita
diferença para quem quer contratar você… No fundo, o seu cliente até
gosta dessas mentirinhas… a idade… o nome…
– Você gosta de Stephanie?
– Não desgosto. Só não entendo porque variam tão pouco… Natasha, Rebeca, Jessica, Kelly, Camila, Mel, Bárbara…
– Você não disse Stephanie…
– É que Stephanie ainda é quase uma novidade. Você sabe o que Stephanie significa?
– Sei… Gostosa, tudo de bom… (ri)
– Também significa coroada de louros, vitoriosa… é nome de quem sabe o
que quer da vida e o que fazer para conseguir tudo o que quer…
– Você tá de azaração comigo?
– Não. Falo sério… é que gosto de nomes. Atrás de um nome tem sempre uma pessoa… Sou um colecionador de nomes. É isso.
– Jura? Cada doido com a sua mania… Já vi colecionador de muita coisa…
de cobra… até de inseto… mas de nome nunca tinha visto… e o seu? O que
significa?
– Vicente quer dizer “aquele que sempre vence”. Dizem que é nome de quem
possui uma lucidez incomum, especialmente no que se refere julgar o
mundo e as pessoas. Mas não podemos acreditar em tudo o que aprendemos
nos livros…
Stephanie vai deixando de lado a puta e, pouco a pouco, traz à cena a
mulher sofrida, esquecida por trás da máscara de pintura carregada.
– E Etelvina? O que significa Etelvina, Vicente?
– Etelvina. É nome de quem está sempre alerta. Dona de personalidade
múltipla, sintonizada com o mundo. Também significa nobre amiga,
Etelvina.
Vicente saca a carteira e paga o combinado pelo programa. Com certo
constrangimento Etelvina guarda as cédulas no peito, dentro do sutiã.
Vicente olha-a profundamente.
– Se não se importar… gostaria de fazer uma foto sua… posso?
Com a cabeça Etelvina diz que sim. Vicente vai até a estante e pega a
máquina fotográfica polaroide. A mulher começa a despir-se. Ele a
interrompe.
– Não, por favor. Fique assim, de roupa. Prefiro você vestida.
Ela parece entender. Sorri tímida e bebe o resto da taça do vinho. Ele
dispara a câmera. A mulher de aluguel pega a bolsa sobre o sofá e vai
embora. Vicente observa a fotografia, retira uma caneta do paletó e
escreve um nome atrás do papel: Etelvina. Leva o retrato até quadro na
parede do corredor. Lá, dezenas de mulheres tristes.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho
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