O anúncio de mais de mês na página de classificados ofertava mais uma beldade. Por R$ 200 a tal Mel prometia loucuras. Sem agenciamento nem nada: do outro lado da linha, a garota em pessoa acertava o programa. Cantareira não pechinchou. Acordou o negócio para às 19h – como de costume às segundas-feiras. Embrenhou-se na cozinha para o cardápio da noite: coxa de frango grelhada com molho de romã.
– Mel.
– Sobe.
A mocinha parecia ter pouco mais que 21. Desceu do elevador, deixando rastro de perfume adocicado e fez do pequeno corredor passarela para desfile de figurino com as cores quentes de Almodovar. Porta aberta, Mel esquadrinhou o velho e ganhou o apartamento sem sorrir palavra. Cheia de olhares, apenas. O viúvo setentão não se intimidou com a presença da tão esperada figura voraz.
– Fique à vontade, Mel. Sinta-se em casa.
A menina de aluguel não pensou duas vezes: enquanto Cantareira foi até até a cozinha para trazer a garrafa de vinho, Mel tirou parte da roupa para ficar em peças quase íntimas na sala de estar. O coronel reformado não se fez surpreso ao voltar ao cômodo. Não encarou a mulher. Comedido, sorriu sem tomar as medidas perfeitas da bela.
– Este é um tinto mais encorpado. Combina com você.
– Gosto de vinhos... ainda mais dos que combinam comigo. Vicente? Não é!?
– Sim. Vicente. “Aquele que sempre vence”, dizem. Você... Hoje, é Mel ou Melissa?
– Mel, Melissa... Qual você acha mais apropriado?
– Carolina. É mais forte.
A menina não entendeu a direta. Com elegância, o velho trata das duas taças.
– Por que Carolina?
– Não foi esse o nome que o seu pai deu a você, em São Pedro da Aldeia, em 1989?
Silêncio de olhar profundo, distante, como quem volta no tempo. Cantareira deixa a sala e vai à cozinha buscar o prato. Mel, atônita, veste de volta as roupas quentes em cores de Almodóvar. A ação é lenta, próxima da realidade.
– Não se espante, Mel. Posso explicar. Conheci bem o seu pai, João Elias. Trabalhamos juntos durante muito tempo. Ele foi um bom policial. Um homem de bem... você sabia? Dos melhores que conheci.
– O filho da puta nunca me procurou.
– Faltou-lhe coragem, imagino. Ele me disse que quando descobriu onde você estava, já não tinha mais saúde para ser o pai que você merecia. Me disse também que amou muito a sua mãe e que nos últimos 24 anos não passou um só dia sem pensar em você.
– Um covarde que viu a minha morrer quando eu era pequena e não fez nada. Me deixou jogada na casa de gente que nem gostava de mim.
– O João Elias disse ter tido suas razões para não ter ficado com você.
A pausa da amargura toma conta do jantar. Carolina come sem vontade. O velho respeita o silêncio da menina. Pratos limpos, a menina volta ao assunto:
– Como você me descobriu?
– Foi ele. No mês passado, no hospital, pouco antes de morrer, seu pai me deu essa página e pediu que dia 17 de junho eu entrasse em contato com você. Hoje é seu aniversário, não é?
A menina balança a cabeça e diz que sim. Cantareira tira do bolso do paletó um envelope endereçado à Carolina.
– Ele também pediu que eu entregasse isso para você. Disse que foi o que ele conseguiu juntar trabalhando honestamente como inspetor de polícia.
Com as mãos trêmulas, a menina de aluguel se emociona ao ver seu nome na folha de cheque especial de R$ 275 mil. Cantareira saca a carteira e também coloca sobre a mesa quatro notas de R$ 50.
– Este é meu. Pela noite inesquecível, Carolina.
Carolina é só silêncio. O viúvo pega a velha polaroide e pede para fazer uma foto.
– Posso?
A menina volta a balançar a cabeça, dizendo que sim. O homem velho captura o instante. Carolina guarda o cheque e o dinheiro na bolsa e vai embora. Antes de sumir na porta, a garota esboça sorriso miúdo de despedida.
Porta fechada. Cantareira escreve o nome da moça no retrato e fixa-o no mural. Profundo, suspira diante de sua coleção de putas tristes.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho
Nenhum comentário:
Postar um comentário