Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é
cidade cheia de lições. Toda vez que rodo pela região aprendo algo para
toda vida. Na semana passada, senhora de história de amor incondicional
ganhou o meu sono e minha admiração. Foram dois dias sem dar conta de
fugir dela o pensamento. Violeta, eterna cúmplice, e eu conversamos
muito a respeito. Incrível. Vinda do Norte de Minas, dona Maria, tem um
único filho. Quis o destino, pela força bruta das consequências,
presidiário. Para a mulher, dona de casa, o moço é inocente. “Andou com
más companhias, meu filho. A droga não é coisa da cabeça dele não. Ele é
bom menino. O que fez falta na vida dele foi o pai, que morreu cedo”,
emociona-se. Dona Maria vendeu o barracão no Norte, na divisa com a
Bahia. Alugou casinha em bairro próximo do presídio. “Pra poder ver o
menino todo dia de visita”, faz sorrir os olhos verdes.
É amor demais, amigo leitor. Qualquer sujeito, com mínimo de
sensibilidade e respeito, não desapontaria a mãe. Há mais de ano, a
mulher vive pelo bem do sujeito, para que ele tenha algum futuro. “Fico
perto, meu filho, porque ele tá sofrendo, arrependido. Tenho fé em Deus
que ele vai sair logo e ter um vida boa, feliz. Porque ele é honesto,
trabalhador, carinhoso. Eu tenho que vigiar pra ninguém fazer mais mal
pra ele. Enquanto Deus me der força pra lutar, nada de ruim vai
acontecer com ele”, diz. Em dezembro, dona Maria vendeu tudo. Brigou com
todos na família que não acreditam no filho. “Eles não são gente ruim
não, moço. Mas não conhecem o meu filho como eu. Então, preferi ficar
longe de todo mundo”, lamenta.
Já era fim de tarde. Deixei dona Maria na casinha alugada em rua de
terra, confusa em nome e número. Recém-chegada em Ribeirão das Neves,
seus poucos pertences ainda estavam espalhados em sacolas de plástico e
duas malas baratas na sala em piso de cimento grosso. O sofá de courino
surrado, de dois lugares, foi comprado em um bota-fora. “Paguei R$ 50.
Está novinho, não está!?”. O que mais chama a atenção em dona Maria é a
luz dos olhos profundos, janelas da alma. Rugas traçadas pelo tempo de
vida difícil, com sete abortos e a viuvez jovem ainda – na época, com
34, a mulher não perde a fé. Aos 58, é retrato de esperança. “Não há bem
que dure pra sempre, nem mal que não se acabe. Tudo de ruim que tinha
pra acontecer já aconteceu. Agora, meu filho, tudo vai dar certo”,
confia.
Entusiasmada, dona Maria não quer perder um só dia de visita. Ela conta
que, no ano passado, viveu dias de “pesadelo” para rever o rebento. “Foi
um sofrimento porque é muito tempo de ônibus. A passagem é muito cara. O
dinheiro da condução tava fazendo falta. Mas vai tudo melhorar”. A dona
de casa, mãe coragem, acredita que, estando por perto, quando o filho
voltar à liberdade, vai conseguir levá-lo para a igreja. “É um sonho que
tenho: queria que o meu filho fosse pastor. Ele é tão bonito. Fala tão
bem”, diz.
O sono não vem. A caneta corre solta na caderneta de papel pautado. O
encontro com dona Maria, assim, ao acaso, me faz pensar fundo no amor de
mãe. Especialmente – tocado pelo drama da dona do Norte –, nas mães dos
condenados do mundo. Incrível a capacidade de amar dessas mulheres. O
mundo seria outro, menos triste, se as preces dessas senhoras de bem
fossem ouvidas. Lá fora, a chuva castiga o telhado.
Bandeira Dois - Josiel Botelho
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